Por Andréa Serpa
Deixa eu falar…
Li várias respostas indignadas as declarações dessa “artista” MC Pipoquinha que debochou de um professor ganhar 5 mil reais enquanto ela ganha 70 mil pra rebolar a bunda 30 min.
Não me ofende. Falou uma verdade.
Apenas “mostrou” – e é essa a função dos monstros que cada cultura produz: mostrar – a alma dessa sociedade.
Não passamos décadas ensinando aos nossos filhos que o objetivo da vida é “ganhar dinheiro”? Ela ganha! Muito mais que eu!
Não idolatramos e alimentamos a fortuna de jogadores de futebol, modelos, influencer, coach, pastores, e artistas de talento duvidoso?! Muitos não ostentam em igual proporção uma vida glamourosa e um caráter pífio, medíocre?
Tenho 35 anos de carreira. Doutorado em Educação. Quantas Prefeituras me convidam para ministrar formação docente a troco de transporte e de um prato de comida, enquanto pagam cachês de 500 mil para alguém cantar “senta senta, toma toma”?!
Então “Pipokinha” falou alguma mentira? Ofende quando ela fala?! Não.
Ofende é saber que é verdade. Que nossa sociedade – e seus representantes legais – consome, valoriza e aplaude isso, enquanto chama professores e professoras de “vagabundos, despreparados, comunistas, doutrinadores, pedófilos…”. Ai está verdadeira ofensa.
Pagar 5 mil para um professor é o que ofende!
Oferecer 5% de reajuste é o que ofende!
Atrasar os salários é o que ofende!
Não pagar os aposentados é o que ofende!
Escolas insalubres, sem ar, sem infraestrutura mínima e digna é o que ofende!
Não ter plano de carreira é o que ofende!
Não ter segurança é o que ofende!
Não ter hora de planejamento é o que ofende!
Somos ofendidas de muitas e perversas maneiras todos os dias. Pelo governo, pelas coordenadorias, pelas famílias, e até por certas direções.
MC Pipokinha, não chega nem perto das graves e cotidianas ofensas que a Docência enfrenta. Nem perto.
Andréa Serpa Albuquerque é pedagoga, doutora em Educação e professora adjunta da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense/Niterói