Sonia Castro Lopes
A terceira via está em polvorosa. Os autodenominados presidenciáveis atordoados com a escalada autoritária do presidente e, por outro lado, ameaçados pelo retorno de Lula ao cenário político, correm como baratas tontas para se unir em torno de um manifesto pela consciência democrática. Publicado nos principais jornais do país, o documento, divulgado e elogiado pela imprensa hegemônica, não chega a causar perplexidade. O que causa espanto é que praticamente todos os signatários foram, de algum modo, responsáveis por eleger o inimigo comum contra quem agora se declaram indignados.
Há muito que os representantes da centro-direita vêm articulando uma chapa para enfrentar Bolsonaro nas próximas eleições. Surgiram desde cedo nomes como Mandetta (DEM) Moro e Amoedo (Novo). Desse trio, um já desidratou, principalmente após as últimas decisões do Supremo Tribunal Federal. Moro não será escalado para o jogo e sabe disso. Dizem os colunistas da grande mídia que o ex-juiz foi convidado a assinar o Manifesto e teria recusado alegando impedimentos contratuais em razão de seu novo emprego. Pode até ser, mas nem se apropriando do título da canção imortalizada por Edith Piaf ele consegue convencer alguém de suas boas intenções. Carta fora do baralho.
Por sua vez, Mandetta acredita que possui capital político por ter se posicionado contra o governo ao qual servia até um ano atrás quando possuía um fã clube que o julgava articulado, coerente e competente para debelar a pandemia que então se iniciava. Ledo engano. Mandetta não tem projeção nacional e muito menos força política para bancar uma candidatura e enfrentar a gana de vencer de Bolsonaro que dispõe de um eleitorado fiel (embora cada vez menor) e de uma potente máquina eleitoral. Quanto a Amoedo, discípulo dileto do ultraliberal Paulo Guedes – a sumidade de Chicago que lê no original todos os grandes clássicos da economia – talvez seja um dos raros representantes do empresariado que ainda acredita na retomada em V tão propalada por seu ídolo. Sem chances.
Paralelamente à dupla que restou do trio, surgem os tucanos desesperados com a possibilidade de Lula concorrer ao próximo pleito. Dória (PSDB) imaginava ser o candidato ideal do tucanato, até entrar em litígio com outro político forte dentro da legenda: Aécio Neves. Com interesses distintos, os dois hoje travam uma disputa por maior controle de poder e espaço no partido. Apesar dos desgastes sofridos, o mineirinho provou que ainda tem força, se não para concorrer à presidência, ao menos para minar o capital político de Bolsodória que se apoiou no atual inimigo público número um para alcançar o cargo de governador de São Paulo.
Luciano Huck (s/ partido) é um caso à parte. Animador populista das tardes de sábado, parece que seu maior trunfo é ter como padrinho um dos próceres do tucanato, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Rico, herdeiro, famoso, mas completamente inexperiente nos ardis da política, será que levará a sério a aposta em seu nome? Já andou dizendo que não concorreria. Talvez mude de idéia, vai saber.
Ciro Gomes (PDT) talvez seja o nome que cause maior impacto nessa lista. Político considerado ‘progressista’ com uma carreira relativamente bem sucedida, infelizmente não poderá apagar seu passado nebuloso nas fileiras do Partido Democrático Social (PDS), formado por sobreviventes da antiga ARENA, de triste memória. Além disso, ao se lançar na disputa presidencial de 2018 não ultrapassou a marca de 12% de votos e sequer sentiu o cheirinho do segundo turno. Finda a primeira etapa, resolveu dar um giro em Paris para não se comprometer a apoiar a candidatura verdadeiramente progressista de Fernando Haddad. O fato é que a ‘terceira via’ precisa desesperadamente de um representante nas próximas eleições e os ‘moderados’ chegam ao ponto de atrair até mesmo um destemperado para sua órbita. Está valendo tudo pelo pavor de uma possível candidatura de Lula.
Quanto a Eduardo Leite, quem é mesmo Eduardo Leite?
Leia, a seguir, a íntegra do Manifesto.
MANIFESTO PELA CONSCIÊNCIA DEMOCRÁTICA
Muitos brasileiros foram às ruas e lutaram pela reconquista da Democracia na década de 1980. O movimento “Diretas Já”, uniu diferentes forças políticas no mesmo palanque, possibilitou a eleição de Tancredo Neves para a Presidência da República, a volta das eleições diretas para o Executivo e o Legislativo e promulgação da Constituição Cidadã de 1988. Três décadas depois, a Democracia brasileira é ameaçada.
A conquista do Brasil sonhado por cada um de nós não pode prescindir da Democracia. Ela é nosso legado, nosso chão, nosso farol. Cabe a cada um de nós defendê-la e lutar por seus princípios e valores.
Não há Democracia sem Constituição. Não há liberdade sem justiça. Não há igualdade sem respeito. Não há prosperidade sem solidariedade.
A Democracia é o melhor dos sistemas políticos que a humanidade foi capaz de criar. Liberdade de expressão, respeito aos direitos individuais, justiça para todos, direito ao voto e ao protesto. Tudo isso só acontece em regimes democráticos. Fora da Democracia o que existe é o excesso, o abuso, a transgressão, o intimidamento, a ameaça e a submissão arbitrária do indivíduo ao Estado.
Exemplos não faltam para nos mostrar que o autoritarismo pode emergir das sombras, sempre que as sociedades se descuidam e silenciam na defesa dos valores democráticos.
Homens e mulheres desse país que apreciam a LIBERDADE, sejam civis ou militares, independentemente de filiação partidária, cor, religião, gênero e origem, devem estar unidos pela defesa da CONSCIÊNCIA DEMOCRÁTICA. Vamos defender o Brasil.
CIRO GOMES,
EDUARDO LEITE,
JOÃO AMOEDO,
JOÃO DORIA,
LUIZ HENRIQUE MANDETTA,
LUCIANO HUCK.
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Faz parte do jogo. Vamos observar como se desenvolve. Como Lula disse ontem, apesar desses terem, de uma forma ou de outra, permitido a vitória do capitão no 2o. Turno, ele apoia qualquer manifestação a favor da democracia, mesmo não tendo sido convidado para subscrever o manifesto. Ele também disse que 22 será resolvido em 22. Sua experiência o ajuda muito nesse momento, apesar do seu fã clube.
Lula é um político experiente, vai devagarinho comendo pelas beiradas. Seu fã clube, ao contrário, é açodado, impaciente. Tá doido pra botar o retrato do velho outra vez na parede.