Por Sonia Castro Lopes
Ketelen Vitória Oliveira da Rocha, 6, não era enteada de político ou filha de uma suburbana deslumbrada, ávida por ascensão social. Mas era uma criança tal qual Henry Borel Medeiros, 4, e teve sua vida abreviada por lances de crueldade perpetrados pela madrasta com a anuência e cumplicidade da própria mãe. Talvez o caso não tenha a mesma repercussão daquele que o antecedeu. Afinal ali não havia glamour, seus personagens eram pessoas pobres moradoras no bairro Jardim das Acácias, município de Porto Real, no sul fluminense. Mas a violência e a crueldade de ambos chocam qualquer um que tenha um mínimo de sensibilidade e empatia pela dor do outro.
Mantida sozinha num quarto onde lhe negavam até mesmo alimentação, a pobre menina era submetida a torturas constantes. A última que sofreu na sexta feira (16) prolongou-se por três dias e deixou-a em estado lastimável. A mãe da madrasta que a espancara chamou a ambulância e a criança foi internada em estado grave. Não o fez antes por medo da filha, extremamente agressiva. Após sete dias em coma, Katelen sofreu uma parada cardiorrespiratória e veio a falecer na madrugada deste sábado (24).
Quem são esses monstros? O que os leva a agir dessa forma? Tanto o vereador Jairinho quanto Brena Barbosa Nunes, 25, a madrasta de Katelen, devem odiar crianças. O vereador tem uma longa lista de agressões em seu currículo e filho de quem é – o coronel da Polícia Militar Jairo Souza Santos, ligado a grupos de milicianos – , imagina-se que possa ter presenciado e sofrido torturas e sevícias de todo tipo na infância. No caso de Brena, segundo sua própria mãe, a assassina também sempre foi uma pessoa agressiva, com episódios de violência contra ela e a avó, uma idosa de 86 anos. Por medo da filha, a mulher demorou a solicitar socorro e denunciar as criminosas.
As mães das crianças, que deveriam acolher e proteger os filhos, demonstraram atitudes que só nos causam revolta e indignação. Se Monique Medeiros, a mãe do menino Henry, foi ao salão embelezar-se no dia seguinte ao enterro do filho e, em depoimento, limitou-se a confirmar a tese mal ajambrada do companheiro; a outra, Gilmara Oliveira de Farias, 27, foi co-autora das atrocidades cometidas contra a própria filha.
Para a mãe de Brena as duas criminosas devem pagar pelo crime e permanecer atrás das grades. Na última quarta feira (21) a justiça decretou a prisão preventiva das duas agressoras. Já o caso Henry demorou mais tempo para ser solucionado. Os depoimentos combinados, a influência política e as redes de sociabilidade do padrasto agressor retardaram as investigações, mas felizmente os suspeitos tiveram sua prisão temporária decretada e estão detidos desde o dia 8 de abril passado. Acumpliciados no início, parece que agora ocorre divergência de narrativas, uma vez que Monique resolveu contratar novos advogados para defendê-la. A tese ora apresentada a fará também vítima de Jairinho. Parece que nas atuais circunstâncias o amor se transformou em ódio e os antigos amantes passaram a cuidar cada um de si, o que, a meu ver, não diminui a participação de Monique no crime, tendo em vista os depoimentos e provas já obtidas e apresentadas pelos investigadores.
Ambos os crimes são torpes, cruéis e injustificáveis. Mas o de Henry ganhou holofotes. Vídeos da prisão dos envolvidos foram exibidos por vários dias em todas as estações de tevê, reportagens de primeira página e matérias diárias nos principais jornais impactaram o país e continuarão a atrair leitores por longo tempo. A barbaridade cometida contra Katelen repercutirá na mídia da mesma forma? Duvido.
Legenda da foto: Cômodo onde a menina Katelen vivia aprisionada.
Fonte: Reprodução O Globo online 24/4/21