Por Jaqueline Petra
Conhecidos pelas telas de cinema, mas esquecidos pelo Estado, essa é a realidade de quem sobrevive na favela Cidade de Deus. No início de março de 2020, a situação piorou mais uma vez. Por conta da pandemia, todas as escolas do bairro tiveram suas aulas encerradas. Além do alto índice de desemprego, escolaridade e violência, mães e responsáveis por seus lares ganhavam mais uma tarefa: a de ensinarem seus filhos dentro de casa. Mães que trabalham fora ficaram sem a opção de levar seus filhos para a escola. Tornou-se muito comum encontrarmos crianças brincando nas ruas em horários que estariam dentro das salas de aula. Além de toda a dificuldade enfrentada com a pandemia, ainda há o desgaste físico acumulado no final da noite, encarado por muitas mulheres que trabalham fora e administram suas famílias.
“O cansaço é o que mais me impede de ajudar o Pedro Lucas com as tarefas de casa. Chego tarde do trabalho e lá cuido de duas crianças, ajudo elas com os exercícios, mas quando chego em casa, ainda tenho muita coisa para fazer e acabo não tenho tempo para o meu próprio filho. Foram poucos os dias que consegui ajudá-lo com os trabalhos”, confessa Rosely Moraes,32 anos, empregada doméstica e mãe do Pedro Lucas.
Lanna Yasmin, 12 anos, estudante, não vê o momento do retorno às aulas. “Eu acho horrível ter que estudar em casa, não consigo me concentrar para fazer nada, na escola eu tinha que fazer o dever, mas em casa tem muitas distrações. Sinto falta dos meus amigos, dos professores e das aulas também”.
Vanusa Santos, 35 anos, doméstica, mãe de Alejandro, conta também da dificuldade do filho para aceitar o cumprimento das tarefas. “Ele não está se adaptando, ele faz algumas tarefas com muita dificuldade. Na escola ele tem um mediador, em casa não”. Alejandro tem autismo de grau leve.
“Para ser sincera, eu não consegui ajudar nenhum dia, fico muito chateada com isso. Mas com o nascimento da Maitê, as coisas ficaram mais difíceis. E tem a questão do acesso à internet, eu só tenho dados pelo celular”, conta Jéssica Silva, 29 anos, caixa de mercado e mãe de 4 filhos.
Um dos piores IDH
Pesquisa feita pela Fundação Getúlio Vargas, denominada “Mapa da Inclusão Digital” (NERI, 2012), mostra que a Cidade de Deus é um dos bairros com menos acesso à internet na região de Jacarepaguá. Ficando atrás de bairros próximos.
“A questão de acesso à internet foi o maior desafio para nós professores. Como ter comunicação com o aluno se a maior base de acesso não existe? O retorno dos alunos com o material enviado pelas redes sociais e plataformas de estudo quase não existia”, afirma Adriana Braga, 42 anos, professora de Português da Escola Municipal José Clemente Pereira, localidade conhecida como Karatê.
Com aproximadamente 50 mil moradores, a Cidade de Deus tem um dos piores Índices de Desenvolvimento Humano do Município do Rio de Janeiro. Segundo dados do Censo coletados até 2000 ficou em 113o lugar entre 126 bairros. Com seus números muito distantes dos bairros vizinhos, Freguesia ocupa a 30oª posição e Barra da Tijuca, a 1oª posição. Na área denominada como Karatê, há uma localidade que recebe o nome de Brejo, onde não há saneamento básico adequado. Além disso, a água encanada chega por ligações realizadas pelos moradores, sem o auxílio da companhia de águas e esgoto.
Retorno às salas de aula
O retorno às aulas presenciais aconteceu no final de fevereiro de 2021, por determinação da Secretaria Municipal de Educação (SME). No total foram 38 escolas selecionadas como adequadas para retomada das atividades, o protocolo sanitário foi aprovado pelo Comitê Especial de Enfrentamento da Covid-19. No primeiro momento voltaram parcialmente alunos da Pré-escola, 1° e 2° ano, e cerca de 210 professores. A proposta era de atualização semanal da lista de escolas através do site da SME. Dentro da lista divulgada, a Cidade de Deus teve uma única escola considerada apta à retomada das aulas presenciais: o Centro Integrado de Educação Pública João Batista dos Santos.
“Eu não vejo a hora de ver ele na sala de aula, porém a escola dele ainda não foi considerada apta ao retorno, eu não tenho ideia de quando irá voltar. Mas quando acontecer eu vou levar ele para a escola. Está muito difícil estudar com ele em casa”, Rosely Moraes reclama sobre o retorno às aulas presenciais.
Com as atualizações da listagem, a rede municipal de educação, no mês de maio de 2021, estava com 92% das escolas funcionando com o ensino presencial e as escolas da Cidade de Deus também foram beneficiadas, a secretária municipal de educação continuou com o ensino remoto, deixando a escolha de comparecer ou não nas aulas a cargo dos responsáveis dos alunos. “Com a volta às aulas me sinto aliviada, eu não estava conseguindo dar conta da educação das crianças, o horário estava bem reduzido, mas eles ainda vão uma semana sim e outra não”, conta Jéssica Silva, 29 anos, caixa de supermercado.
Jaqueline Petra é aluna da Escola de Comunicação da UFRJ (Jornalismo).
Foto: Moradores do Brejo, no Karatê. Pablo Jacvob/Agência O Globo.