Por Luis Otavio Barreto
Não sei se você que me lê já teve a oportunidade de andar num dos trens da Supervia, ouso ir além; se conhece alguma estação, das muitas que existem entre o Rio e o subúrbio. Eu já. E quero falar sobre a que mais me impressionou; JACAREZINHO. A 5 estações da Central, Jacarezinho fica no bairro homônimo. A experiência do transporte coletivo, pra mim, é sazonal. Não faz parte da realidade, talvez, por isso, o meu encantamento e interesse no comportamento daquela gente que o tem como rotina. É importante dizer que isto aqui está longe de ser como a experiência da Bruna Marquezine, com o metrô, em São Paulo. Deixa eu voltar ao Jacarezinho. O meu deslumbramento espantoso se dá a partir das cercanias da estação; é como ir chegando a um cenário de guerra, de miséria, de caos. Vê-se, rente aos trilhos, barracos confeccionados de toda sorte de materiais, fogueiras, pneus e outras coisas queimando. Também se vê, à medida que o trem vai desacelerando, homens, mulheres e adolescentes usando drogas, pulando até a gare e os mais variados tipos de condição humana. O cheiro, à medida que as pessoas começam a ocupar o vagão, torna-se uma mistura que não sei bem explicar se está para azedo, ardido ou os dois. É um cheiro estranho. Mistura-se com os vapores do próprio vagão, no meio do falatório dos vendedores, de um pedinte ou outro e a voz que sinaliza Triagem ou Del Castilho, dependendo do destino. Esqueci de mencionar as caixinhas que um ou outro carregam, geralmente com o funk do momento. Quando as portas se abrem, entra, como numa onda, gente com os mais diversos tipos, todavia, todos diametralmente opostos àqueles vemos no metrô, principalmente nas estações do centro e da Zona Sul, mas isso é claro e óbvio.
Antes de prosseguir, preciso, também, contar que fiquei impressionado ao observar as marcas de tiro nos para-brisas dos trens.
Até aqui, minha escrita, talvez, possa soar como observação ou experiência etnográfica de alguém um tanto descolado das realidades econômica e social do Brasil, mas não é. Trata-se do relato de algo que se cristalizou e pretende se eternizar como ordem comum, como nichos sociais que comportam indivíduos que devem estar ali, desempenhar aquele papel para que haja o contraste entre Nossa Senhora da Paz, por exemplo, e Jacarezinho.
Eu não sou rico, nem mesmo pertenço a classe média. Me considero um sujeito pobre-remediado, que dentro da minha cabeça é alguém que tem casa, comida, coberta e cama e que, de vez em quando, tem umas moedas, ora pra uma cerveja com uma carninha, ora pra experimentar a alegria de pagar um boleto no fim do mês. Portanto, me sinto confortável para relatar isto sem parecer melhor que aquelas pessoas ou pior que um morador da Vieira Souto.
Por fim, preciso, quero e não posso deixar de mencionar que, claro, a condição fodida dessa gente do Jacarezinho é um projeto da desigualdade social que, há anos, insiste em empurrar para uma cova funda – e lá sepultar – tudo aquilo que é indesejável, que difere da realidade do Rio Zona Sul. E me permita – e se não permitir, foda-se, farei assim mesmo porque quero e posso, E PORQUE É VERDADE ESSE BILETE, E PORQUE O FACEBOOK É MEOOO, O FACEBOOK, É MEO!*, tudo ficou pior, muuuuito pior desde que esse governo genocida se achou de ‘governar’, eleito por um bando de filho da puta – HOJE TÔ PISTOLA!
A madama, igual aquela retratada pelo já saudoso Paulo Gustavo, não quer que o filho do porteiro do prédio dela, na Vieira Souto, Delfim Moreira, Lúcio Costa ou Las Peruas del Botafuego** ou do Flamengo, que esses meninos e meninas, abusadamente inteligentíssimos, frutos dos institutos federais, criados pelo governo do PT – como diz meu querido Sebastião Almeida: AI QUE SAUDADE! – frutos das formações de professores que trabalharam duro, frutos da vontade de mudança e da gana para fazerem com que velhos decrépitos como Paulo Guedes engulam a língua perniciosa, cheguem às universidades públicas, para garantirem seus futuros e os de outros brasileiros que aquele porra diz estarem vivendo demais!
Este assassínio que aconteceu no Jacarezinho, mesmo com todos os seus problemas, suas faltas – que são frutos de um desarranjo social, tudo isso é um projeto para que não haja mistura entre as classes, para que o subúrbio, os moradores de comunidade e que aquela gente do trem do Jacarezinho não possam, um dia, ascenderem à condições melhores.
Se todo o meu relato, lá atrás, impressiona pelo cenário, não duvide; É CULPA DO GOVERNO! É CULPA DE QUEM TEM O PODER!
* Memes que usei porque quis.
** Senhoras metidas a besta, geralmente, classe média, viúvas ou não. Uma gente que gozava vendo Médici uniformizado. (TÁ, eu sei. Gosto é gosto, porra!)
Luis Otavio Barreto é músico pianista e professor de Língua Portuguesa.