Vandré escapou, mas Victor Jara e Lenny Bruce não tiveram a mesma sorte, um foi assassinado por uma ditadura militar e o outro por dogmas hipócritas.
Lenny Bruce foi um comediante norte-americano que fez grande sucesso na década de 50 e 60, mas seu humor “ácido” incomodou a sociedade de tal ordem que foi preso por obscenidade. Sim, isso mesmo, por obscenidades. Não resistiu à pressão e morreu, “dizem”, por overdose de entorpecentes em 1966.
Bob Dylan (tinha que ser ele), canta em seu álbum de 1981, Shot of Love, “Lenny Bruce está morto…seguiu em frente e como aqueles que o mataram, se foi”.
A lei matou o humorista por piadas que hoje em dia escutamos em qualquer stand up. Já o cantor chileno Victor Jara foi assassinado por Pinochet e seus capangas, quando os versos “terroristas” só queriam o “derecho de vivir em paz”.
Sempre considerei Jara o Geraldo Vandré chileno, porém ao contrário do brasileiro, ficou nas marcas dos assassinos militares. Ambas composições e melodias possuem algo em comum, além do teor político e existencial. Na música Manifesto, Victor Jara diz que “não canto por cantar, nem por ter boa voz, canto porque o violão tem sentido e razão”, enquanto Vandré em Terra Plana diz que pediram para ele deixar de lado a tristeza e, mais, que era para cantar a felicidade, mas ele rebate “faço versos com clareza e é meu canto que me fez cantador”.
É demais para as ditaduras militares…morte aos cantadores da justiça e da verdade.
Lenny Bruce, julgado e condenado por suas piadas, teve perdão póstumo em 2003, mas nada apaga o horror hipócrita de uma sociedade que se considera democrática. Bob Dylan reinvindica “se eles o carimbaram e o rotularam como fazem com calças e camisas”, então entendemos seu suposto suicídio depois de ficar “doente porque ele não jogava pelas regras”. Bob Dylan, The Best.
Mesmo assim, Bruce, um comediante, não aguentou às pressões e desistiu de seu direito de viver.
Será que seguidores de mitos conhecem tais historias (verídicas)? Duvido. Não, não duvido, tenho certeza que não conhecem nem nunca ouviram falar de Victor Jara e Lenny Bruce, estão ocupados demais ouvindo Sérgio Reis ou assistindo BBB.
Não imaginam o eco do terror no estádio Nacional na capital chilena sob comando de assassinos e torturadores da extrema radical direita. Aliás, alguns negam a violência até hoje, inclusive o holocausto.
E assim Victor Jara nunca mais sentiu o agradável aroma do amor, do vinho e muito menos do direito de viver em paz.
A escuridão das vozes abafadas e superadas pelo verdadeiro terror acabou com suas lutas por justiça. Total inversão de valores, quem canta o amor, a justiça, o direito de viver em paz é considerado terrorista enquanto esses assassinos são, são…
Porém, são as vozes de Jara e Vandré que permitem, apesar das obscuridades, de nós, seres humanos, não perdermos a esperança nem nosso “derecho de vivir”.
Charles Dickens dizia que por mais nebuloso que pareça o futuro, será um futuro desconhecido com esperanças ingênuas.
Sim, ingênuas mas reais. Claro, para os sobreviventes. Mesmo assim, Jara e Bruce deixaram seus legados e Vandré se transformou num mártir…vivo…
Os assassinos também vão morrer, como o general Newton Cruz, e, nós, humanos, vamos seguir cantando a canção, afinal “eu sempre quis ser contente, trazendo para toda gente vontade de se abraçar”(Vandré).
Estamos aqui para lembrar as jornadas de cantores, escritores, artistas e todos aqueles mortos pelo poder insano.
Queremos apenas o “derecho de vivir”, cantando versos com clareza e aplaudindo o poeta Bob Dylan declamando seus tiros de amor (Shot of Love).
Coca Trevisan é jornalista e escritor. Autor de Violências Culturais
Geraldo Vandré