Construir Resistência
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Jair cruzou o Rubicão. E agora?

Por Sonia Castro Lopes

Minha última viagem ao exterior ocorreu em agosto de 2018. Parti tranquila, achando que Bolsonaro não passava de uma caricatura, um político sem expressão, alguém que jamais teria condições de colocar os pés no Planalto. Ao retornar, ainda no aeroporto, recebo a notícia da facada. Pensei comigo: esse cara tá eleito. Não deu outra…

Sabedores do curriculo do capitão, tudo o que está acontecendo era previsível desde então, só não contávamos com a pandemia. O que impressiona é que apesar da péssima gestão diante da crise sanitária, da inflação, do desemprego e dos fortes indícios de corrupção deste governo, Bolsonaro ainda conserve apoiadores fiéis. Vá lá que boa parte da  multidão que acorreu ao chamado do presidente no último dia 7  não o fez de forma espontânea, mas impulsinada pelos donos do agronegócio que cederam caminhões, ônibus, lanches e material de propaganda. Mas o fato é que se conseguiu colocar uma multidão vistosa na Paulista, na Praça dos Três Poderes, na Praia de Copacabana, embora os organizadores da festa achassem que mobilizariam milhões de apoiadores.

Recursos públicos e máquina administrativa foram acionados para esse evento programado e convocado com semanas de antecedência. Foram disseminadas notícias de que as polícias militares iriam aderir ao movimento, que muitos de seus seguidores surgiriam armados representando um perigo para os que resolvessem se manifestar contra o presidente. O medo de um embate violento afastou a maioria dos que clamaram #forabolsonaro em manifestações anteriores. A esquerda dividiu-se entre exortar a população para ir às ruas ou pedir que fossem prudentes, ficassem em casa e não aceitassem provocações.

Os noticiários das TVs e comentaristas políticos declaram que Bolsonaro está isolado politicamente. Pesquisas de intenção de voto não lhe atribuem mais que 25% de eleitores. Afirma-se categoricamente que o núcleo duro de apoiadores não ultrapassa 20%. Entretanto, não é prudente subestimar Bolsonaro. Sem dúvida, ele está enfraquecido,  mas o bolsonarismo não. Essa turba de ignorantes que ainda o segue não está nem aí para o preço da gasolina, do bujão de gás, da carne. Prefere acreditar na insanidade do “mito”, nas mentiras que correm as redes sociais. A propósito, muito já se escreveu sobre a irracionalidade das massas que deram sustentação ao nazi-fascismo. Não há coerência nem razão em quem segue aquele que se apropria dos símbolos pátrios à custa de mentiras em proveito próprio e dos seus. Só a reeleição interessa e, quem sabe, a perpetuação de uma dinastia por muitos anos e muitas ‘rachadinhas.’

Não se pode negar que foi uma festa estranha com gente esquisita, mas convenhamos que boa parte da população se identifica com o tiozão do churrasco, o língua solta, o homofóbico, machista, chinelão Rider no pé, um tipo popularesco na fala e nos modos de agir. “É um dos nossos”, pensa grande parte de seu eleitorado. Outra parte dos que o apóiam pertence a um grupo profundamente antipetista que se sente ameaçada com a ascensão de Lula no cenário político. Há ainda grandes frações de uma classe média conservadora, moralista, hipócrita, rodrigueana, que se deixa envolver pela pauta de costumes. Todos ignorantes, apartidários, sem o menor conhecimento da dinâmica e do jogo político. Mas são fiéis, têm pulsão quase sexual pelo “mito”, talvez dessem sua vida por ele…

Dos três casos históricos em que os governantes apostaram no apoio do povo para chancelá-los, nenhum conseguiu mobilizar tanto público a seu favor quanto o atual ocupante do Planalto.  Refiro-me a Jânio Quadros que renunciou em agosto de 61 achando que a população lhe daria o respaldo necessário para que agisse com mais autoridade e independência. Ficou a ver navios. Trinta anos depois Collor de Mello exortou o povo a sair às ruas com as cores da bandeira para apoiá-lo. A passeata dos “caras pintadas”, todos de negro, deu o tiro de misericórdia em seu governo. Bolsonaro está enfraquecido, sem dúvida, mas não acabado. Lembrai-vos de 2018…

Arthur Lira, Rodrigo Pacheco e Luiz Fux, respectivamente presidentes da Câmara, Senado e STF não se deram ao trabalho de comparecer à abertura da cerimônia em Brasília. Certamente, foi um desprestígio, mas no dia seguinte à “festa cívica” seus pronunciamentos sobre o discurso do presidente causaram, no mínimo, decepção. Com exceção de Fux, que subiu o tom, mas ainda assim não propôs nenhum ato mais coercitivo, os demais passaram pano em mais um avanço do presidente rumo ao golpe que pretende desferir. É preciso lembrar que ainda temos um ano com este insano no poder e, com certeza, outras ameaças, ofensas e tentativas de intimidação virão.

Ontem (9) assistimos aos desdobramentos da farra cívica. A fala assertiva do ministro Luis Roberto Barroso me pareceu contundente ao chamar o discurso de Bolsonaro de ‘retórica vazia’ e ao próprio de farsante. Ao capitão restou pedir arrego e contatar Temer, o mestre golpista, para orientá-lo na elaboração de uma carta à nação tentando se retratar pelos excessos cometidos no dia da pátria. Alguém consegue acreditar nos bons propósitos desse sujeito? Em qualquer manual de estratégia aprende-se que muitas vezes é necessário recuar, dar um passo atrás para avançar dois. É isso o que ele está fazendo. Acalmados os ânimos voltará a falar para seu público fiel, desestabilizar os pilares democráticos e dar continuidade ao seu projeto golpista. Continuará recebendo apenas notas de repúdio?

Os representantes das instituições democráticas continuarão tentando restabelecer o diálogo entre os poderes, construindo pontes para tentar restaurar a normalidade democrática? Ao longo de quase três anos a democracia nunca foi tão afrontada, tão ultrajada e até agora nada aconteceu. No próximo domingo haverá uma manifestação chapa branca convocada pela centro-direita, a mesma que anda de lupa à procura do candidato que a represente. A experiência de 2018 nos diz que a direita limpinha só terá chances de chegar ao segundo turno caso Bolsonaro não esteja no páreo. Do contrário, desidratará como  ocorreu aos candidatos que a representavam na últimas eleições.

Para quem acha que Jair não avançou o semáforo, metáfora usada por Cassab em entrevista a uma emissora de TV, eu diria que ele ultrapassou sim. Cruzou o Rubicão e, como César, lançou a máxima (que ele naturalmente desconhece): Alea Jacta est! Sim, a sorte está lançada, é tudo ou nada, até porque há pouco a perder. Aos defensores da democracia só resta uma saída: tirá-lo do páreo antes que seja tarde.

 

 

 

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