Iva Waisberg:  Professora, Intelectual e Ativista 

Iva Waisberg

 

por Sonia Castro Lopes 

 

Quem se importa com a trajetória de alguém que não se inclui entre as grandes protagonistas da história e sequer consta do ‘Dicionário das Mulheres do Brasil’ organizado por Schumaher & Vital Brazil ou da ‘História das mulheres no Brasil’ de Mary Del Priori? O que há de especial na história de vida de uma professora judia, com limitações físicas, que chegou a cursar uma universidade na década de 1930, tornando-se catedrática e participando ativamente dos problemas sociais de sua época? 

 

A historiografia contemporânea com seus novos objetos e novos olhares sobre a pesquisa histórica, com certeza, lhe atribuirá valor.  Desde que foi lançado o clássico ‘Os excluídos da história: operários, mulheres e prisioneiros’ por Michelle Perrot, em 1988, os transgressores da ordem burguesa encontraram seu lugar ao sol. São eles os novos sujeitos da história, os ‘de baixo’, os que não tinham voz frente a uma história positivista que cultuava grandes heróis ou de uma história quantitativa onde só havia destaque para os ciclos econômicos, os estudos conjunturais e estruturais que determinavam as demais dimensões do fazer e do saber histórico. 

 

Com base nessas reflexões tomaremos como sujeito dessa história a professora Iva Waisberg (1913-1996) formada pelo Instituto de Educação do Rio de Janeiro na década de 1930 e graduada em Sociologia pela Universidade do Distrito Federal (1). Numa época em que era incomum às mulheres o ingresso no curso superior – até porque este se limitava aos egressos do curso secundário e a formação de professores era considerada um curso de nível profissional –  Iva firmou-se como intelectual de uma geração que desafiou a política educacional autoritária do Ministro Gustavo Capanema, chefe da pasta de Educação e Saúde no período mais autoritário do primeiro governo de Vargas: o Estado Novo (1937-1945). Sua participação no debate educacional da época pautou-se pela defesa de uma educação universal, laica, democrática e de um modelo de universidade livre e autônoma, voltada para os problemas da sociedade na qual estava inserida.

 

Nascida no Distrito Federal em 7 de setembro de 1913,  Iva Waisberg  era filha de Carlos e Sarah Waisberg e ingressou na Escola Normal do Distrito Federal no ano de 1929. Aluna de Anísio Teixeira e Lourenço Filho, mestres dos quais se declarava seguidora, mostrou-se totalmente afinada com os princípios pedagógicos da  Escola Nova. Aproveitando-se da reforma educacional realizada por Anísio Teixeira no Distrito federal que elevou a formação de todos os professores ao nível superior, diplomou-se em 1934 na primeira turma da Escola de Professores e, já no ano seguinte, ingressou na Universidade do Distrito Federal (UDF) onde cursou a Escola de Economia e Política. Aluna brilhante, Iva  possuía sérias limitações físicas, uma vez que fora acometida, na infância, por paralisia nos membros inferiores, tragédia que não a impediu de desempenhar seu ofício e pavimentar uma carreira promissora. 

 

De posse do diploma, passou a exercer o magistério secundário no Colégio Pedro II e no Instituto de Educação onde se tornou catedrática por concurso em 1943. Em discurso como paraninfa da turma de 1945 referiu-se à década sombria que o país acabara de viver, perturbada pelo fascismo internacional e nacional, ocasião em que lamentou a destruição da obra educacional ‘sinceramente democrática iniciada em no Distrito Federal com Fernando de Azevedo e continuada por Anísio Teixeira.’ (2) 

 

Antes mesmo de ingressar como docente do curso normal do consagrado Instituto de Educação, já circulava por diferentes meios acadêmicos. Em 1936, expandindo seu campo de atuação, participou de uma conferência organizada pela Sociedade de Medicina e Cirurgia realizada no Centro Ruy Barbosa da Faculdade de Direito, onde abordou a temática do aborto como política de saúde pública, pauta inimaginável para a época. 

 

Como representante da União Universitária Feminina (UUF), participou do II Congresso Nacional de Estudantes, onde atuou como delegada juntamente com colegas enviadas de diversas associações estudantis de todo o país. Neste grupo da UUF destacavam-se personagens com história de militância no movimento feminista brasileiro, como Leda Boechat e Berta Lutz, com quem desenvolveu relações sociais e compartilhou afinidades ideológicas. (3) 

 

Sob a promoção da União Universitária Feminina, realizou-se em 1938 um curso de Ciências Sociais que teve por objetivo oferecer às sócias e a quem tivesse interesse novas oportunidades culturais. Iva Waisberg participou deste evento, oferecendo a primeira parte do curso, dividida em seis palestras sobre o tema “Sociologia no quadro dos conhecimentos científicos modernos”. O jornal do qual foi retirada tal informação – Correio da Manhã (4) – a apresentava como formada em Sociologia pela UDF e aluna do curso de Direito da Universidade do Brasil. 

 

A oportunidade de frequentar uma universidade e ampliar seus círculos acadêmicos permitiram a essa professora desempenhar importante papel nas atividades intelectuais da cidade-capital, algo raro para uma mulher nessa época. As experiências vivenciadas pela docente, em um momento singular de nossa história educacional, possibilitaram a superação das barreiras de formação e propiciaram experiências capazes de conferir novo sentido a sua trajetória profissional. Por meio do acesso aos registros da imprensa na referida época foi possível concluir que a personagem aqui considerada, embora circulasse no interior de um espaço limitado de possibilidades, soube lançar mão de oportunidades que lhe proporcionaram prestígio como intelectual no campo da educação, permitindo-lhe construir uma sólida carreira acadêmica e destacar-se frente à maioria das mulheres de sua geração. 

Notas da Autora

 

(1) A Universidade do Distrito Federal (UDF) foi criada na cidade do Rio de Janeiro, então Distrito Federal, por iniciativa de Anísio Teixeira em 1935. Três anos depois seria extinta em razão da política autoritária de Gustavo Capanema que almejava criar a Universidade do Brasil, modelo a ser seguido pelaS universidades de todo o país. 

(2) WAISBERG, I. Discurso de Formatura. In Arquivos do Instituto de Educação, 1945, p. 93. 

(3) Periódico “O Radical”, edição 1374, de 7 de outubro de 1936, p. 6. Fonte: Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional. http://bndigital.bn.br/hemeroteca-digital/. Data de acesso: 23/08/2015.

 

(4) Periódico “Correio da Manhã”, edição 13339, de 6 de maio de 1938. P. 9. Fonte: Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional. http://bndigital.bn.br/hemeroteca-digital/. Data de acesso: 31/08/201

 

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