Por Luiz Eduardo Rezende
Petrópolis destruída. Mais de 130 mortos, um grande número de desaparecidos, centenas de bombeiros, parentes de vítimas e voluntários, cavando a lama à procura de sobreviventes ou de corpos soterrados.
De praticamente todos os municípios do Rio de Janeiro chegam até hoje doações para desabrigados e desalojados, numa admirável corrente de solidariedade.
Pois bem, em meio a essa tragédia, mais de 500 homens do quartel do exército em Petrópolis continuaram a rotina de marchar, bater continência para os superiores e pintar meios fios da unidade. Como se nada de anormal estivesse acontecendo, como se a cidade não precisasse de ajuda para salvar vidas ou resgatar da lama os corpos dos que morreram soterrados.
Na quinta-feira, dois dias depois da chuva, o Ministério da Defesa soltou uma nota autorizando a unidade militar a ajudar com logística no trabalho de encontrar corpos, já que não havia mais esperança de acharem sobreviventes. Ou seja, nenhum soldado, sargento ou oficial do quartel de Petrópolis saiu para cavar a lama.
Será que o comandante da unidade militar precisava esperar ordens ou autorização do Ministério da Defesa para ajudar a população nessa hora tão difícil? Não seria normal que ao perceber a gravidade da situação ele colocasse o efetivo do seu quartel na linha de frente do trabalho feito por bombeiros, parentes e voluntários?
Para que serve esse quartel do exército em Petrópolis, se na hora em que a população mais precisa ficam todos os militares em posição de sentido assistindo os outros trabalharem?
NOBEL DO RIDÍCULO
O ex-ministro Ricardo Salles realmente não tem noção do ridículo. Anunciou nas redes sociais que a presença do presidente Jair Bolsonaro na Rússia foi responsável por Putin não invadir a Ucrânia (até agora, claro). Diz ele que Bolsonaro foi responsável por não haver uma terceira guerra mundial. O pior é que o presidente insinuou que essa afirmação de Salles é verdadeira.
Bolsonaro nem tratou desse tema com Putin. Foi à Rússia fazer figuração, tentar mostrar que, assim como Lula, também é recebido por chefes de estado. Não se tem notícia de nenhum acordo comercial fechado com os russos, até porque na comitiva estavam militares e não ministros das áreas ligadas ao comércio exterior.
A viagem do presidente foi mais uma tentativa de, no ano eleitoral, demonstrar prestígio para ver se melhora um pouco os seus índices nas pesquisas de intenção de votos. Mas daí a dizer que evitou a terceira guerra mundial, espera lá, vai uma diferença muito grande.
Só os bolsonaristas muito fanáticos vão acreditar nessa boiada que Ricardo Salles quer passar!!!
BOLSONARO FICOU VERMELHO
Aqui no Brasil Bolsonaro é negacionista. Não toma vacina, não usa máscara, é racista, homofóbico e tem horror a comunistas, tanto que um de seus slogans é “nossa bandeira jamais será vermelha”. Mas lá na Rússia o tigre virou um gatinho.
Para se encontrar com Putin, Bolsonaro se submeteu a cinco testes de Covid19, usou máscara em solenidades oficiais e, o que é mais inusitado, foi depositar flores no túmulo do soldado desconhecido, homenagem aos soviéticos do regime comunista mortos na segunda guerra mundial.
Aguardemos pois os próximos pronunciamentos de Bolsonaro. Ele continua anticomunista convicto ou se impressionou com as reverências russas, que não é mais comunista, aos seus heróis de guerra, não importa a ideologia comunista que estavam defendendo?
O que assistimos, na verdade, foi mais um papelão de Bolsonaro no exterior.
PRESIDENTE CAIPIRA
Se Juscelino foi o presidente bossa nova, Bolsonaro é o presidente caipira do Brasil. Não me lembro de ter visto um chefe de estado desembarcar num país em visita oficial, trajando jaqueta, camisa para fora da calça e coturno, como Jair Bolsonaro chegou na Rússia. E ainda passou em revista as tropas formadas em sua homenagem com esses trajes.
Putin se veste muito bem. Seus ternos estão sempre bem cortados e a gravata alinhada. Para se encontrar com o russo Bolsonaro teve que vestir um terno também. Que desastre. O paletó e a gravata pareciam estar brigados um com o outro. E ainda por cima foi de coturno.
O cargo de presidente da república exige postura e roupas, se não elegantes, como as de Lula e Fernando Henrique, por exemplo, pelo menos de acordo com a importância da solenidade a que comparece. Isso não é futilidade, é uma exigência do cargo.
Falando palavrão como gosta, comendo frango e farofa com a mão e se vestindo desse jeito, só falta mesmo Bolsonaro cuspir no chão.
Aguardemos!!
INTRUSO NA VIAGEM
Até agora ninguém explicou o que o vereador do Rio, Carlos Bolsonaro, o Carlucxo, fazia na viagem do pai, o presidente Jair Bolsonaro, à Rússia, inclusive participando de uma reunião oficial dos representantes dos governos russo e brasileiro. Muito menos como ele consegue faltar a tantas sessões na Câmara de Vereadores sem sofrer nenhuma sanção.
Explicação oficial não houve, é claro. Mas não é difícil imaginar a função de Carluxo na comitiva, se levarmos em conta que ele será, novamente, responsável pela campanha de Bolsonaro nas redes sociais. É na Rússia a sede do Telegram, aplicativo muito utilizado pelos bolsonaristas para divulgar suas ideias e também fake news. Todos os outros aplicativos fizeram um acordo com o Tribunal Superior Eleitoral para combater a divulgação de ofensas ou notícias falsas, menos o russo.
Isso sinaliza que Carluxo foi negociar com os representantes do Telegram a forma de agir durante a campanha eleitoral que se aproxima. É a única explicação plausível para a presença do filhinho do papai, que não tem qualquer cargo no governo federal, participar de reuniões oficiais.
Ah, é bom lembrar. Bolsonaro levou também na comitiva o assessor Tércio Arnaud, ativo integrante do gabinete do ódio, que atua dentro do Palácio do Planalto.
Imaginem o que vem por aí!
RECAÍDA PRESIDENCIAL
Depois de alguns dias se fingindo de bonzinho na Rússia, Bolsonaro foi correndo para a Hungria visitar o primeiro-ministro Viktor Orbán, um radical de direita, homofóbico, racista, execrado pelas principais lideranças democráticas do mundo.
Bolsonaro se sentiu à vontade. Fez discurso chamando Orbán de irmão e destacando as semelhanças ideológicas entre os dois. São realmente gêmeos no pensamento, nas palavras e nas ações antidemocráticas.
Nenhum acordo comercial ou cultural foi assinado na Hungria. O presidente do Brasil foi lá só para uma visitinha ao querido amigo.
Muitos se espantaram, outros se indignaram, com a visita de Bolsonaro a Orbán. Mas o que poderiam esperar de alguém que tem como referência política e de vida o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra?
FOTOS:
Panorama do 32º Batalhão de Infantaria Motorizada, o Batalhão Pedro II, de Petrópolis: demora para atuar na tragédia da serra (Fanpage do Exército)
Capa da Time confirmada pela revista que é falsa, fruto da imaginação de bolsonaristas como o ministro do Turismo, que a publicou em seu perfil no Twitter (Reprodução/Twitter)
Bolsonaro usa máscara ao desembarcar em território russo (Agência Brasil)
O presidente usa coturno no encontro com Putin: desprezo pela liturgia do cargo
Carluxo com o presidente na reunião do Kremlin (Alan Santos/PR)
Bolsonaro foi fazer visita de cortesia para o deselegante Viktor Orbán
Luiz Eduardo Rezende é jornalista com passagem pelo Jornal do Brasil,O Dia e O Globo.
Matéria publicada originalmente na página Quarentena News. Os artigos aqui reproduzidos são de responsabilidade dos autores.