Por Scarlett Rocha
Neste dia mundial da fotografia aqui vai uma foto que eu ainda não havia publicado. Esta foi clicada no dia 8 de janeiro deste ano.
Não quis publicar a foto no período do acontecimento porque achava que essa imagem passava uma mensagem contrária ao que eu queria transmitir.
Em tempos de guerras híbridas, em que não temos absolutamente nenhum controle sobre as imagens que produzimos, eu pensava que não era um bom momento para publicar esta foto.
Eu tinha o sentimento de que ela poderia ser utilizada para passar uma ideia de vitimização dos bolsonaristas que tentaram tomar o poder à força.
Mas uma mulher negra, empunhando a bandeira do Brasil, encarando soldados palacianos e olhando severamente para mim, com a câmera na mão, era uma cena por demais forte para eu não registrar.
Eu queria saber quem ela era e o que pensava, mas não era possível trocar uma ideia naquela situação. O Palácio do Planalto já tinha sido desocupado, alguns golpistas detidos.
Esta senhora estava junto a um grupo que tinha sido isolado por um pequeno batalhão do exército responsável pela guarda do palácio presidencial.
Muito provavelmente eu nunca vou vê-la novamente, mas nunca vou me esquecer dessa cena que, fotografada, se torna real toda vez que a vejo, despertando outras reflexões.
Muitas vezes fotografamos uma situação, um momento, que está pulsando e vibrando, gritando pelo registro.
Ainda assim, apesar da vida que pulsa em cada cena que clicamos, todo o resto na fotografia é uma escolha consciente ou instintiva: lente, enquadramento, composição, tempo de exposição, corte, recorte, luz e sombras, texturas e cores.
Aí está a nossa intervenção na realidade, mesmo que dure segundos.
Somos responsáveis pelo que registramos e não podemos esquecer disto nunca.
É uma escolha também quando e como botamos uma foto no mundo.
Em “Sobre a fotografia”, publicado em 1977, quando ainda não havia Instagram, Susan Sontag, brilhantemente escreveu uma frase seminal “hoje, tudo existe para terminar numa foto.”
Scarlett Rocha é repórter fotográfica