Sonia Castro Lopes
Para o carioca não tem tempo ruim. Não só no verão, mas em qualquer estação do ano (até porque no Rio não faz frio), ele acorda, abre a janela e confere: hoje vai dar praia! Nos meses mais quentes, em pleno verão, especialmente nos fins de semana ou período de férias, a praia se torna o melhor e mais democrático de todos os programas. Na véspera, à noite, o morador do Rio já examina o céu, percebe se está limpo e estrelado para decretar otimista: amanhã vai dar praia!
E justamente nesse sábado o dia amanheceu lindo. O Rio se despediu do verão com um céu anil, sem nuvens, temperatura alta, brisa leve. O mar, apesar de agitado, estava limpo, de um azul quase turquesa, a contrastar com areia e a espuma das ondas. Mas hoje, amanhã e talvez nos próximos dias não vai dar praia. Elas amanheceram praticamente vazias, obedecendo ao decreto do prefeito Eduardo Paes para evitar o avanço da #covid na capital do estado.
A proibição de acesso aos banhistas e surfistas pela Guarda Municipal, bem como a permissão para que só moradores pudessem estacionar na praia modificou totalmente a paisagem da orla do Rio. Restou a caminhada no calçadão, ainda assim com menos gente que de costume, já que só os moradores puderam desfrutar desse privilégio. Estrategicamente posicionados, os fiscais evitavam a movimentação dos banhistas em direção às praias, bloqueando vias de acesso tanto na zona oeste quanto na zona sul. Impediam também a chegada de ônibus fretados que costumam trazer visitantes de municípios vizinhos para o litoral carioca. Mesmo assim, houve casos de surfistas e banhistas que burlaram a fiscalização, especialmente nas praias mais afastadas da zona oeste da cidade.
A medida foi fortemente criticada pelo presidente Jair Bolsonaro, que taxou de ‘hipócrita’ a decisão do prefeito. Na sua ignorância e insensatez, o presidente subestima a falta de estrutura da cidade para atender a todos os doentes. Desconhece o fato de que a rede do SUS no Rio já se encontra com 95% de sua capacidade ocupada. Só nas UTIs dos hospitais públicos da cidade havia ontem (19) mais de 600 pacientes internados, um dos maiores índices desde o início da pandemia. O pior é que grande parte dos que frequentam as praias, assim como os vendedores apóiam o presidente e criticam as medidas tomadas pela Prefeitura.
Desde ontem já se ouviam reclamações daqueles para quem a praia é essencialmente um local de trabalho. São ambulantes e artesãos que percorrem as areias carregando tonéis de mate/limão, caixas de isopor com bebidas, sacolas de biscoito Globo, bandejas com salgados, queijo coalho, camarão frito, bolsas, bijuterias, biquínis, sacolas, chapéus. Além deles há os barraqueiros com uma estrutura mais complexa, maior variedade de petiscos e bebidas e cuja maior renda advém do aluguel de cadeiras e barracas. São, enfim, trabalhadores informais, em sua maioria residente nas comunidades próximas que tiram daquele pequeno comércio o seu sustento. Poucos andam com máscaras e álcool gel, desafiando a doença e a morte talvez porque, no fundo, devem achar que não têm muito a perder. Se o auxílio emergencial não tivesse sido interrompido e se mantivesse na casa dos R$600, provavelmente, esses trabalhadores se sentiriam mais seguros e dispostos a colaborar com as medidas restritivas.
Quanto à maioria dos ‘praieiros’ – contumazes frequentadores de bares, restaurantes, shoppings, festas e outros locais de aglomeração – para esses a pandemia não existe. É invenção da oposição. Confiantes, garantem: se Deus quiser, e Ele há de querer (porque é brasileiro e carioca), no próximo fim de semana vai dar praia.