Por Adriana do Amaral
Minha crônica sobre as mortes anunciadas…
A #pandemia nos faz buscar alguns escapes na tentativa de manter a sanidade. O meu é a literatura. É onde eu busco limpar a mente, pois a realidade está difícil de ser vivida. Além de leituras inéditas, eu recorro às releituras que me proporcionam prazer certeiro. Principalmente a obra completa do Prêmio Nobel de Literatura 1982, Gabriel Garcia Marques.
A literatura fantástica de #Gabo só tem concorrente à altura no Brasil atual. Acredito que sequer o autor, com a genialidade que lhe foi peculiar, poderia conceber um personagem como o atual presidente do Brasil e desenvolver o enredo das desventuras vividas pela sociedade brasileira em tempos de #pandemia.
Ao lançar Crônica de Uma morte Anunciada, em 1981, o escritor colombiano não fez mistério sobre o seu argumento. Logo na primeira página explicitou a trama: o assassinato do jovem Santiago Nassar. Ao longo das 122 páginas, o leitor deixa-se envolver pela desventura onde valores se invertem, com a cumplicidade de todos os personagens. Alguma semelhança com a realidade nacional?
No último dia de março, aproximadamente um ano de convivência diária e cruel pela ameaça de morte pela #Covid-19, vivemos tal aqueles que sabem quem é o algoz, o #coronavírus, e também aqueles que parecem ter feito um pacto letal que o deixou dominar o país com inverdades, injustiças, morte. Podemos dizer que todos nos tornamos cúmplices ou testemunhas da mortandade que fez do Brasil o epicentro da #pandemia mundial. Quem matou mais de 320 mil brasileiros? Quem permitiu que eles fossem mortos?
Na ficção, mocinhos e bandidos se confundem. Afinal, em defesa da honra pode-se matar. À vítima, nem um velório decente foi permitido, devido à crueldade do crime. Assim como acontece com os parentes das mortos pela #Covid-19, que não podem chorar os próprios parentes, inclusive pelo temor de se contaminar.
Leitura que me remete à outra, o livro 1984, de George Orwell. A história começa num dia de abril. Hoje é primeiro de abril de 2021, dia da mentira no país da pós-verdade.
O autor mostra um mundo ficcional onde o totalitarismo distorce a realidade, numa guerra de retórica sem fim. Pensar é proibido, pois a “polícia do pensamento” pode intervir com as torturas que remetem ao passado recente do Brasil, como o golpe de 1964, celebrado por parte dos brasileiros ontem, uma minoria ruidosa.
No livro, a história é reescrita pelos próprios cidadãos para servir a “ordem” do governo autoritário. Para isso, memórias não devem ser preservadas nem as individualidades. Um universo onde amar é proibido. Relacionar-se é proibido,
O #isolamentosocial nos faz vítimas, reféns e cúmplices ao mesmo tempo. Tornamo-nos um país de mascarados onde de longe ninguém se reconhece e de perto ninguém é normal.
A literatura liberta, pois ela expande a intelectualidade. Infelizmente, muitas vezes mostra que a realidade pode ser muito pior do que a ficção.
Legenda:
trecho da obra Crônica de uma morte anunciada.