Por Joel Birman
Fiquei embasbacado com a potência e a consistência programática do discurso político de Lula, na manifestação pública no Rio de Janeiro em prol de sua candidatura à Presidência da República, em 7 de julho de 2022, manifestando a sua aliança com Marcelo Freixo ao governo do Rio de Janeiro.
A dita potência e consistência discursiva não se evidencia de forma acadêmica, pela sustentação de argumentos formais, contudo, mas, ao contrário, de maneira sensível e biográfica, pela qual Lula empreendeu a rememoração da história de sua vida e de sua família de retirantes nordestinos, norteando-se para isso pelo discurso de sua mãe. Além disso, a potência e consistência em pauta remetem evidentemente à questões fundamentais de nossa atualidade política e social.
Assim, enunciou Lula que emigrou com sua família para sobreviver, mas se isso foi possível, no entanto, necessário foi a proteção de Deus, de quem reconhece a bondade e o amor. Foi assim por esse viés, que a força interior lhe foi transmitida pela voz materna, que se separou de um marido machista, apesar de ter que cuidar sozinha com sua prole extensa.
Com efeito, Deus e mulher/mãe afirmativa e independente, contra o machismo estrutural brasileiro, se conjugam internamente no discurso político do candidato petista, que nos fala assim da importância do amor nas condições ética das políticas públicas.
Portanto, governar num país como o Brasil, pleno de miseráveis e humilhados, abandonados ao seu destino e literalmente sem nada na população brasileira, implica em cuidar.
Enfim, Lula pode então a partir deste limiar decisivo de enunciação ironizar Bolsonaro no seu real investimento ético e político, na medida em que em nenhum momento da pandemia do Coronavírus foi capaz de se identificar com a dor e a morte dos infectados por esse mal, nem se solidarizar tampouco com a dor das famílias que tiveram que enterrar quase setecentos mil mortos, em decorrência de sua total incompetência para enfrentar a pandemia em questão, se opondo as medicações efetivas e a vacinação, que se implantaram apesar de Bolsonaro.
Além disso, seria assim desse patamar enunciativo que seria ainda possível ironizar a mentira religiosa de Bolsonaro, pois que religiosidade seria essa que se conjuga com tanto desapego e insensibilidade para com a vida humana e com os pobres e enfermos. Ao seu lado, Lula pode formular que para bom entender a proximidade de Bolsonaro com os evangélicos é pura balela e oportunismo políticos, destituído que seria de qualquer sentido e verdade efetivos.
Seria possível assim formular que a escalada da fome e da miséria no Brasil, contados em prosa e verso por todos os intérpretes da realidade brasileira ― retorna ao mapa da fome da ONU, destruição do sistema da educação e abertura da Amazônia ao crime organizado internacional e que se evidenciou recentemente com os assassinatos de Bruno Pereira e Dom Philipe _ são o resultado efetivo da incompetência bolsonarista política nos seus menores detalhes.
Portanto, Bolsonaro seria assim decididamente incapaz de governar pela sua impossibilidade de cuidar das pessoas, na medida em que lhe falta compaixão e apreço pela vida humana. Daí a sua religiosidade efetivamente mequetrefe. Seria assim face a isso que Lula se appresenta como candidato à presidência, norteado por pressupostos ético e político, pois se não pensa ser melhor do que ninguém, pensa que tem certamente mais credenciais para ocupar tal posição do pais.
Enfim, foi esta concatenação de enunciados cruciais que Lula nos ofereceu como ouvintes do seu belo discurso de campanha, se opondo então a Bolsonaro como representante maior da pornografia política no Brasil da atualidade.
Joel Birman é psiquiatra e psicoterapeuta. Mestre e doutor em filosofia, e professor titular da UFRJ. Escreveu vários livros no Brasil e na França sobre psicanálise.