Por Lindener Pareto – ICL
Assim como o Drummond, o Frei também é um Carlos que ouviu o anjo torto dizendo: vai ser gauche, vai ser esquerdo, canhoto na vida
Entramos. No estúdio o que se vê e o que se ouve é um narrador incansável. Memória prodigiosa, rigor com os fatos e conceitos. É um irmão leigo, dominicano. Compromisso com a verdade implacável dos fatos humanos. O Frei — na esteira dos historiadores — nos lembra aquilo que alguns muitos querem esquecer. Faz 50 anos (em 2024) que seu grande amigo, Frei Tito, tirou a própria vida em função dos traumas implacáveis da tortura e do cárcere. Os olhos do Frei guardam a dor do amigo e brilham de resiliência na esperança de que os humanos não mais se torturem uns aos outros. Em 2024, 60 anos da Ditadura Civil-Militar que redefiniu não apenas a trajetória daqueles Frades dominicanos no auge do arbítrio, mas que deixa ainda um rastro de sangue e uma ferida aberta que é a de um país inteiro. Nação que insiste em não curar seus traumas. Que esconde macabra e literalmente seus filhos e esqueletos em valas e armários. Os Stuart, os Vanucci, os Mariguella, as Zuzus, os Edsons, as Amelinhas, os Titos… os operários, as mulheres. O Frei, sereno, mas sempre indignado, não quer esquecer nada, não pode. Sua memória é tão prodigiosa quanto a de Funes, tão cheia de êxtase no amor e na esperança quanto a de Teresa d’Ávila. O Frei, digno das expressões mais intensas de Bernini, é uma fortaleza, é uma lança política rasgando a maldade das elites e dos ditadores, é uma arma afetuosa e quente na opção pelos pobres, oprimidos e humilhados de hoje de ontem. O Frei é calmo, mas tem pressa. Quer dizer ao Presidente para ajudar mais uma vez todas as gentes, seu coração tem o formato do mapa de Cuba, lembra das lições e da resistência de Fidel, lembra e denuncia o bloqueio genocida da Casa Branca.
O Frei tem pressa, foge do assédio dos fãs, administra bem a “sociedade do espetáculo”, mas prefere evitá-la. O Frei é um intelectual público e engajado. Quer que seus mais de 74 livros sejam lidos, quer que o povo brasileiro conheça a história dessa terra, desse arbítrio, a fim de superá-lo. Seu coração é calmo, é generoso e forte. Bate há 80 anos pelo proletariado do mundo. O Frei é grave, tem outros compromissos. O Frei é daqueles espíritos que nos lembram efetivamente os compromissos mais importantes do evangelho: amor, comunhão, afeto, liberdade. A luta do Frei é nossa “Rosa do Povo”. Assim como o Drummond, o Frei também é um Carlos que ouviu o anjo torto dizendo: vai ser gauche, vai ser esquerdo, canhoto na vida. O Frei é um patrimônio do Brasil, das Marielles aos Malês, dos Canindés aos Krenaks, ele é o povo, é imigrante, é peregrino, é penitente resistente. Sabe que a História do Brasil, desde 1500, é um permanente batismo de sangue. É nosso Bartolomeu de Las Casas, outro dominicano ilibado. O Frei é Libânio, carrega dos calvários e das montanhas de Minas Gerais o Christo. O Frei é Carlos Alberto Libânio Christo, o Frei é Betto, o Frei Betto. Um revolucionário brasileiro no mundo e para o mundo. Celebremos sua vida, sua luta, sua fé e sua força! Elas são também as nossas. Não à Ditadura, não ao 1 de abril (1964) e não ao 8 de janeiro (2024), nunca mais, ditadura nunca mais!
Lindener Pareto é Professor e historiador. Mestre e Doutor pela FAU-USP. Professor de História Contemporânea e Curador Acadêmico no Instituto Conhecimento Liberta (ICL). É apresentador do “Provocação Histórica”, programa semanal de divulgação científica de História e historiografia nos canais do ICL.
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