Fazendo Julia Livilla sorrir de novo, 1980 anos depois

As mulheres de Atenas eram também as mulheres de Roma, tão oprimidas por seus pais, maridos e irmãos, em uma pesada sociedade patriarcal.

Vale, portanto, um olhar de empatia para meninas, moças e anciãs, tão injustamente secundarizadas na história do Ocidente.

Sempre me compadeci de algumas delas, especialmente das que assumiram o pálido papel de coadjuvantes na gênese da civilização latina.

É o caso de Julia Livilla, que deu a sorte de ser bisneta do imperador Augusto e aprender arte e filosofia com Seneca, o Jovem, um dos grandes sábios da saga humana.

Mas deu o grande azar de estar relacionada com três medonhos imperadores. Era sobrinha neta do canalha Tibério, sobrinha do pusilânime Claudio e irmã do monstruoso Calígula.

Nasceu em Lesbos, na Grécia, filha do forte, culto e respeitado general Germanicus e da astuciosa Agripina Maior. O pai era admirado pelo povão e favorito para assumir o trono do império. Morreu, no entanto, subitamente, aos 33 anos, possivelmente vítima da inveja e da paranoia de Tibério.

Foi quando começou a zica da família. Mesmo amada pelos romanos, Agripina não teria vida fácil e acabaria exilada, falecendo longe de Roma.

Julia Livilla, sempre vigiada, calou sua alegria de menina gentil. Pela sobrevivência, procurava a máxima discrição e, assim, se casou com Marcus Vinicius, um proconsul que serviu na Asia.

No ano 37, quando tinha 19 anos, viu o irmão Calígula ascender ao trono. A princípio, lhe pareceu uma dádiva. Recebeu honras públicas, privilégios de Virgem Vestal e teve sua imagem cunhada em moedas.

Em pouco tempo, no entanto, o imperador se tornou obcecado pelas três irmãs. Primeiramente, para satisfazer seu prazer voyerista, obrigou Livilla e sua irmã Agripina Menor a se prostituírem com alguns de seus catamitas, servos encarregados dos serviços sexuais do palácio.

Depois disso, o próprio Calígula resolveu manter relações incestuosas com as irmãs, muitas vezes de forma brutal e sádica. Na verdade, desejava até que uma delas lhe desse um filho de “cepa pura”. A vida da jovem tornou-se infernal, com frequentes insultos, castigos e ameaças.

Agripina Menor a convenceu, então, a participar de um plano para eliminar o terrível irmão. A conspiração, porém, foi descoberta e ambas foram enviadas ao exílico nas Ilhas Pontinas.

Depois da morte de Calígula, foi libertada e retornou a Roma. Em pouco tempo, no entanto, caiu em desgraça ao se indispor com a perigosa e instável Messalina, terceira mulher de seu tio Claudio, o novo supremo regente de Roma.

Julia Livilla acusada de manter uma relação adúltera com Seneca, o Jovem, conceituado filosófo, orador, escritor e conselheiro político. Há quem sustente que o amor dos dois era platônico, e que ela apenas admirava as virtudes intelectuais do renomado pensador. Adorava a poesia do mestre e buscava iluminar-se com seus conhecimentos.

Estudos mais recentes revelam que ela não teve direito à defesa e que as acusações nunca foram provadas. Foi escandalosamente prejudicada pelo lawfare da época. Teria sido, portanto, novamente vítima de uma trama política. Recebeu como pena um novo exílio, e foi enviada a Ventotene.

No ano 42, entretanto, a fim de evitar sedições populares ou militares, o imperador Claudio ordenou que a sobrinha fosse executada.

Privada de qualquer alimento, morreu em desespero de fome. Tinha apenas 24 anos. Tempos depois, seus restos mortais foram levados a Roma e depositados no Mausoléu dos Augustos.

As estátuas de muitas dessas figuras foram destruídas durante a lenta passagem dos séculos. Algumas sofreram por decisão política; outras, em razão de acidentes ou mesmo da natural fragmentação da pedra. Quando se vão, reelaborando um conceito de Goethe, ocorre a segunda e definitiva morte da personalidade histórica.

As poucas estátuas de Livilla estão seriamente danificadas. E todas mostram uma mulher que, atrás de sua singeleza, mistura timidez e receio.

Sempre imaginei, no entanto, como teria sido o sorriso da jovem, especialmente em seus saraus privados com Sêneca.

Utilizei alguns programas digitais para cruzar as referências minerais que temos da mimosa irmã de Calígula. Depois, foi no pincel do pixel. Penei para lhe reconstituir o nariz, inexistente na melhor escultura restante.

O resultado está aí. Modesto, imperfeito, mas redescobre, quase dois mil anos depois, a alegria de um espírito leve e efêmero que a maldade calou prematuramente.

 

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