Por Simão Zygband
Não vou mentir. Muitas vezes olhei o Guilherme Boulos com certa desconfiança. Em várias oportunidades não acreditava muito em suas boas intenções. Esta restrição gratuita, é verdade, que teve início nas fatídicas manifestações de 2013, quando o golpe começou a ser desenhado com as multidões nas ruas, por uma pauta que seria risível nos dias de hoje: o aumento de 20 centavos nas tarifas dos transportes públicos.
Boulos, a principal liderança do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) engrossou como uma personagem emergente aqueles atos aparentemente democráticos e revolucionários, mas que acabou embrionando o golpe contra a presidenta Dilma Rousseff. No meio daquele mundaréu de pessoas nas ruas, não foi fácil fazer a leitura do significado das manifestações, sobretudo nas chamadas esquerdas.
Eu trabalhava na assessoria de Comunicação do Sindicato dos Jornalistas em cujo auditório, o Vladimir Herzog, localizado na região central de São Paulo, era próximo ao local onde o “couro” comeu várias vezes. A tropa de Choque da PM, foi cruel em diversas ocasiões e de lá se ouviam as explosões das bombas de efeito moral (eles lançavam também balas de borracha, com certa letalidade).
As lideranças de esquerda se reuniam no auditório do Sindicato dos Jornalistas para fazer avaliações. Boulos, inclusive. Eu olhava aquele garotão de classe média que falava em nome dos trabalhadores sem teto sem entender muito bem a sua liderança. Para mim me soava falso. Confesso que a sua imagem não era condizente com os que ele representava.
Com meus amigos e familiares debati muito aquelas manifestações que, para mim, não cheiravam nada bem, o que se comprovou posteriormente, quando a poeira abaixou. Vi garotões sarados saindo em massa da Universidade Mackenzie, tradicionalmente um reduto conservador, para ajudar a parar o trânsito nas principais avenidas de São Paulo. Não era compatível que pessoas com aquelas características estivessem produzindo algo em benefício da população, como impedir o aumento de alguns centavos nos transportes. Afinal, nem perfil de usuário de ônibus e metrôs eles tinham. Certamente a maioria esmagadora deles usava seus brilhantes carrões.
Boulos, na minha concepção, também havia cometido ato falho ao apoiar as manifestações contra a realização da Copa do Mundo no Brasil, em atos denominados “Não vai ter Copa”. Aparentemente, a jovem liderança ajudava a tumultuar a vida dos governos do PT, nada incomum em um partido emergente como o PSOL, que tinha divergência com a condução da política petista. Em tese, não concordavam com a linha conciliatória de classes de Lula e Dilma.
É inegável que nas eleições para a prefeitura de São Paulo, na qual Guilherme Boulos foi ao segundo turno contra o finado ex-prefeito Bruno Covas, vindo de um forte recall da disputa presidencial, o candidato psolista conseguiu avançar mais sobre o eleitorado tradicional do PT do que empolgar eleitores mais de centro. A sua derrota era uma morte anunciada.
Mas, esta derrota não foi em vão. Como uma importante liderança que é, soube fazer a mea culpa e, a partir de então, conseguiu fazer a leitura da política com maior equilíbrio, entendendo as dificuldades que a esquerda têm no Brasil e como é complexo conquistar avanços.
Muito ao contrário de parte de seu partido, entendeu a importância de uma liderança como Lula ao Brasil e se posicionou como elemento chave na frente anti-fascista, que desta vez não envolve só a esquerda, mas os partidos de centro e até de direita.
Boulos foi fundamental para desmascarar a farsa do chamado “triplex no Guarujá” de Lula e Dona Marisa, ocupando o apartamento que nem de longe era o descrito no processo elaborado pelo juiz farsante Sérgio Moro.
Também se colocou claramente contra a prisão ilegal e arbitrária de Lula por 580 dias na cela da Polícia Federal em Curitiba, tendo ido inclusive visitar o preso político que deverá novamente governar o Brasil em 2023.
Mais uma vez leu corretamente a importância de ter livre a maior liderança de esquerda do Brasil e quiçá da América Latina, ao contrário do pensamento de alguns elementos de seu partido, que apoiou a prisão ilegal.
Mas, a última grande demonstração de maturidade e de compreensão do xadrez político foi ter renunciado à candidatura de governador de São Paulo para apoiar Fernando Haddad, pois abriu mão de uma disputa da qual não sairia vencedor e, com humildade, se propôs sair como candidato a deputado federal, fortalecendo a candidatura petista na difícil disputa no estado, além de puxar votos para eleger uma bancada expressiva do PSOL. Sei que muitos companheiros dele não gostaram de sua decisão, considerando uma espécie de traição.
Queira me perdoar, Boulos. Eu estava enganado a seu respeito. Você será imprescindível no Congresso Nacional e se cacifa para alçar voos mais altos na política nacional. É, sem dúvida, uma grande liderança.