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Eles que são fascistas que se entendam

Witzel na CPI da pandemia

Por Sonia Castro Lopes

A CPI da pandemia até então seguia morna. Alguns destaques para os negacionistas de costume, entre eles Ernesto Araújo, Fabio Wajngarten, Eduardo Pazuello, Mayra Pinheiro, a ‘capitã cloroquina’. Além deles, o próprio ministro Marcelo Queiroga que, apesar de defender a vacina e protocolos sanitários, procurou de todo modo blindar o capitão. Com tantas mentiras, esses personagens protagonizaram uma atração à parte. Em sentido oposto tivemos picos de audiência com o depoimento da doutora Luana Araújo, menina-prodígio e bolsonarista arrependida, que passou a bombar nas redes sociais sendo alçada à categoria de ‘musa da CPI.’

Porém, a melhor atração, verdadeiro show midiático, ficou por conta do ex-governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, que fez questão de prestar seu depoimento, mesmo podendo auferir do direito de habeas corpus que lhe foi concedido pelo Supremo Tribunal Federal. O ex-governador usou e abusou de sua capacidade de retórica, fez da CPI um palanque não só para se defender das acusações que lhe foram imputadas, mas para não ser esquecido e abiscoitar, quem sabe, um cargo político quando recuperar os direitos que perdeu em razão do impeachment.

O ponto alto do depoimento ocorreu quando afirmou ter iniciado seu ‘calvário’ – a perseguição política por parte do presidente – no momento em que deu início à investigação da morte da vereadora Marielle Franco e de seu motorista Anderson Gomes: “Tudo começou porque mandei investigar sem parcialidade o caso  Marielle. Quando foram presos os dois executores [ex-PMs Ronnie Lessa e Elcio Queiroz] a perseguição contra mim foi inexorável”, afirmou ele. Ao fazer tal declaração, Witzel provocou um rebuliço no recinto e na imaginação dos espectadores que começaram a se manifestar pelas redes sociais lembrando o alinhamento de idéias com o capitão e, especialmente, a ‘amizade’ com o senador Flávio Bolsonaro (Patriotas-RJ), fator que alavancou sua vitória nas eleições para governador do Rio de Janeiro em 2018.

É fato que a trajetória política de Wilson Witzel foi tão surpreendente quanto meteórica. Pouquíssimo cotado a dois meses das eleições (1% das intenções de voto) viu sua candidatura crescer às vésperas do primeiro turno e acabou vencendo o favorito, Eduardo Paes, com 60% dos votos válidos no segundo turno. Ninguém sabia de onde vinha aquele sujeito que abriu mão do cargo de juiz e surfou na onda bolsonarista munido de um discurso protofascista. Aliás, a imagem que melhor retrata a política de segurança defendida pelo ex-governador é sua comemoração diante da morte do sequestrador de um ônibus pela polícia que, sob suas ordens, ‘mirou na cabecinha do meliante’ retirando-o de circulação.

Acusado, em plena pandemia, de estar envolvido num grande esquema de  desvio de recursos públicos na área da saúde, o juiz que prometia ‘enquadrar corruptos’ foi afastado das funções antes de completar dois anos de governo. Em abril deste ano o STJ deliberou por unanimidade seu impeachment.

Antigo aliado e impulsionador de sua campanha, o senador Flávio Bolsonaro esteve presente ao depoimento. Tentou tumultuar os trabalhos da comissão, intimidou o relator e travou com o ex-governador uma discussão na qual  houve trocas de acusações, agressões e ironias. O bate-boca esquentou quando Witzel desferiu ataques ao governo federal declarando que o “presidente da República deixou os governadores à mercê da desgraça que viria”, referindo-se, obviamente, à pandemia. A intervenção do 01, que sequer faz parte da comissão, terminou com o depoente chamando o ex-aliado de ‘mimado’ e este, por sua vez, ironizou o discurso pseudodemocrático proferido pelo ex-juiz. Aliás, nesse quesito, ambos são especialistas.

As suspeitas lançadas pelo depoente sobre um possível envolvimento do governo federal no caso Marielle deu pano pra mangas. Imediatamente as redes sociais postaram memes, fotos e trechos do depoimento bombástico, especialmente quando o ex-governador se colocou à disposição da CPI para, em depoimento reservado, revelar mais detalhes das declarações prestadas, comprometendo-se a  reunir provas que corroborassem as acusações feitas à comissão.

O espetáculo foi interrompido no início da tarde quando, bombardeado pelas  indagações dos senadores governistas, Witzel pediu para retirar-se invocando o habeas corpus ao qual tinha direito. Coincidentemente, no final da tarde do mesmo dia (16) a Justiça Federal acatou denúncia do Ministério Público Federal contra o ex-governador, sua mulher (Helena Witzel) e outros membros do governo estadual que foram acusados de corrupção, fraude em licitações e lavagem de dinheiro.

O ex-juiz que prometia acabar com a corrupção e se beneficiou do prestígio desfrutado pelos juízes e promotores da operação Lava-jato para ser alçado a um cargo político de tamanha importância, saiu de cena para a decepção dos senadores da oposição que estavam com ‘sangue nos olhos.’ Mas saiu atirando, disposto a se vingar daqueles que o perseguiram. Sentindo-se ameaçado, já pediu proteção policial para si e sua família e, a depender da comprovação que apresentar sobre as acusações e suspeitas lançadas, a CPI poderá nos brindar com outros bons momentos. Aguardemos o desenrolar dos acontecimentos torcendo para que tudo não acabe em pizza ou ‘dê ruim’, como se costuma dizer por aqui.

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