Por Alfredo Herkenhoff
Feriado Nacional em Portugal, mil festejos patrióticos, shows, sinfônicas, teatro, emoção, congraçamento.
Lula, convidado pelo Parlamento, discursava quando foi ofendido por 12 deputados do partido bolsonarista chamado Partido Chega, estilo Mamãe Falei, Nikolete Ferreira, Daniel Silveira etc. Mas o Parlamento, de 230 membros, aplaudiu calorosamente Lula e o momento em que o comando do Parlamento pediu desculpas pelo desrespeito de um grupelho de extrema direita. O mesmo segmento bolsonarista lusitano reuniu na rua cerca de 100 ou 150 pessoas com cartazes gritando Lula Ladrão, Seu Lugar é na Prisão.
Sergei Lavrov, o chanceler russo hoje presidindo o Conselho de Segurança da ONU (formado pelas cinco potências oficialmente detentoras de arsenais nucleares e direito a veto), discursou e deu coletiva batendo sem pena nem dó na enfermidade que desgraça a política externa dos EUA, y compris Nato, com os 30 países europeus totalmente avassalados.
Curto e grosso, Lavrov disse que a Rússia não se mete na briga eleitoral dos EUA que está começando para o pleito de 2024 porque não faz praticamente nenhuma diferença se o vencedor for do Partido Democrata ou Republicano.
Lavrov bateu firme ao lembrar que EUA e os seus cachorrinhos otanizados debocharam da ONU ao desrespeitar soberania e território de países bombardeados ou invadidos como Iraque, Líbia, Síria, Afeganistão e Iugoslávia, ou Sérvia, no finzinho da década de 90. O governo Clinton jogou bombas na belíssima Belgrado diuturnamente por mais de dois meses matando cerca de dez mil pessoas só na capital cortada pelo belíssimo rio Danúbio.
Lavrov disse que a grande maioria dos países, perfazendo mais de 80% da população mundial de 8 bilhões, tem governos que apoiam a desdolarização.
Lavrov elogiou segmento do jornalismo americano que denunciou que o governo Biden planejou e executou os atentados terroristas que destruíram os gasodutos submarinos Nordstream 1 e 2. Lamentou que o público americano mal sabe disso. O mainstream funciona como uma censura, uma cortina de ferro não, cortina de narrativa…
Hamlet não matou o seu tio Claudio que matou seu pai, o rei, comeu a viúva rainha e pegou o trono porque, ao adentrar em seu aposento, viu que o assassino usurpador rezava. Hamlet pensou o seguinte: se eu mato meu tio agora existe a chance de ele, ajoelhado e rezando, estar se penitenciando e, assim, talvez perdoado, sendo morto por mim, não ir parar na eternidade do inferno.
Muitos acreditam que a fé move e remove montanhas. Hamlet era um príncipe que usava a fé como mera peça política. Era um edipiano. Aliás, ele e Édipo são muito parecidos. Édipo, criança perdida, saiu buscando a verdade. Matou o pai, comeu a mãe e ganhou o trono, mas, desmascarado, não renunciou, tentou se manter no poder, que era a sua prioridade segundo Michel Foucault…
A CPMI do 8 de Janeiro virou um pé na bunda da turma dos neo eleitos achando que teriam um palco tipo CPI da Covid para espalhar narrativas. Não. Não terão. Os bolsonaristas não têm mais caneta bic pra seduzir gente na cúpula do MPF de Aras e comprar baixo clero, ou Centrão, não têm mais nada a oferecer a não ser desespero sob a forma de narrativas ridículas.
Os recém-eleitos e recém reeleitos que mandaram mensagens digitais animando os acampados naquela campanha a favor de intervenção militar, pela não aceitação da vitória de Lula, que era ofendido como o ladrão que não pode subir a rampa, enfim, esses outsiders não terão lugar nenhum de força na mesa da CPMI. Serão chamados a dar explicações sob risco de preventivas.
Não existe o crime de golpe de Estado, existe o de tentativa de golpe. Quando o golpista vence, não foi golpe, foi democracia, foi lavajatismo, privataria, entreguismo, armamentismo, milicianismo, fundamentalismo neopet e patriotismo de militares que adoram boquinhas. Quando o golpe vence, não há CPMI dos infiltrados. Ou você não se lembra das fotos de regozijo dos vitoriosos Moro, Temer, Aécio, Parente, Serra e o escambau?
O fracasso do golpe da minuta, do código fonte, das bananas de dinamite perto do aeroporto JK, da noite do dia 12 da diplomação, enfim, o fracasso engendra punições em respeito à Carta Cidadã e permite espaços políticos para arrependimentos. Muitos que apoiaram Moro, Temer, Pedro Parente, Bob Fields Neto e o escambau se arrependeram a tempo ou estão se arrependendo agora.
Nunca é tarde para pedir perdão.
Quem ainda tem coragem de chamar Lula de ladrão ou é corrupto, ou é otário, ou é servidor marajá, ou é oportunista, ou é vítima de lavagem cerebral.
A guerra da Rússia contra os EUA na Ucrânia pode acabar em três meses ou durar mais uns seis anos. Os russos não têm pressa. Matam mais do que morrem e possuem capacidade industrial militar de fornecer as armas para manter o massacre dos buchas de canhão gritando Zelensky e Bandera!
Lula está hoje na Espanha, mas daqui a uns dez dias vai viajar de novo, estará na Inglaterra para a cerimônia da coroação de Charles, o Rei Terceiro. Lula e o papa Francisco deviam – torço pra isso – agendar um encontro emergencial nesse vai e vem diplomático. Lula e Francisco são os dois chefes de Estado menos poderosos do mundo do ponto de vista bélico, mas são os dois mais maravilhosos no campo da esperança da Casa Comum.
Alfredo Herkenhoff é jornalista, escritor, autor do livro Jornal do Brasil – Memórias de um Secretário