Dois mundos

Por Virgilio Almansur

As taras que envolvem nosso morticínio têm — nessa parcela hedionda da população que somam 30% — uma cumplicidade insanável! Se o apoio ao miliciano-mor continua nessa porcentagem, difícil continuar respirando por aqui.

Impossível, ainda, que nos ombreemos a essa gentalha que assiste execuções, câmara de gás e bate palmas aos passeios alucinados de motos carregando figuras desclassificadas num país destroçado pela fome, enchentes e desemprego.

Como é que se ri num momento como este? O riso sardônico na imitação daqueles entubados na Covid já dera um sinal: a ausência completa de empatia! Mas muito mais: o sofrimento do outro lhe cai bem!

O exemplo, por mais pedagógico que o seja, não compensa a execração. Saber que uma parcela de nossa gente impõe esse apatheid desumano, onde uma cervejinha e um churrasquinho de gato sugerem bem estar, é quase o fim dos tempos.

Nesse limiar entre as frações de classe média e o desterro completo, ainda encontramos os componentes fascistóides por excelência. Mas ali estão a ausência da educação, das razoáveis formações e o completo niilismo de existência.

Difícil aceitar que na quase totalidade das frações burguesas, ascendinas ou não, permaneçam figuras tão estúpidas de razoáveis a excelentes formações.

Estamos sendo co-partícipes e assistindo a tudo com pouca ou nenhuma reação. Nosso masoquismo é visível! É um problema econômico: fazemos economia de afetos tornando-os menos dispendiosos; congelamos e hibernamos nossos sentimentos!

Estamos incorrendo em incoerência econômico-psíquica, não permitindo o funcionamento adequado de uma direção de energias que enfrentem o descaso conosco mesmos!

Não estamos considerando nada patológico. Trata-se da hipertrofia de uma estrutura de base, voltada a nos poupar, mesmo que sobrevenha a você, eu, nós, uma ameaça.

Estamos impondo a nós mesmos uma derivação tanática, destrutiva, mortal! Sim: carregamos um certo reduto de energias desorganizadas que se impõem ao nosso narcisismo impotente! A desvantagem é tanta, que fazemos pronunciar em nós mesmos a destruição!

Nenhum narcisismo, enquanto satisfatório, inerente e até salutar, sobrevive ao poderio tanático; ainda mais com o indefectível sentimento inconsciente de culpa.

Já não há tanto mistério: estamos buscando dor! Estamos em busca do desprazer por economia psíquica! Estamos assistindo de camarote a mortandade que nos assola. Já não é tão somente uma advertência. É objetivo!!!

Estão rindo na cara dura! Quem??? Esses 30% que continuam aplaudindo a morte, a destruição, a venda desse país na bacia das almas. Deixamos há muito de ser espartanos e ficamos atenienses demais.

Perdemos a vergonha!

 

Virgilio Almansur é médico, advogado e escritor.

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