Por Walter Falceta
Neste primeiro dia de Dezembro, completam-se dois anos da violenta ação policial no Baile da DZ7, em Paraisópolis, na periferia paulistana, que deixou nove mortos e dezenas de feridos.
Perderam a vida Marcos Paulo Oliveira dos Santos, de 16 anos; Bruno Gabriel dos Santos, de 22 anos; Eduardo Silva, de 21 anos; Denys Henrique Quirino da Silva, de 16 anos; Mateus dos Santos Costa, de 23 anos; Dennys Guilherme dos Santos Franco, de 16 anos; Gustavo Cruz Xavier, de 14 anos; Gabriel Rogério de Moraes, de 20 anos; e Luara Victoria de Oliveira, de 18 anos.
Familiares e movimentos populares convocaram uma série de atividades em memória das vítimas, atos públicos que demandarão por verdade, justiça e reparação. Neste 1 de Dezembro, a partir das 13 horas, será realizada uma caminhada pelo centro da cidade de São Paulo. O ponto de partida é o Vale do Anhangabaú. Serão distribuídos panfletos com fotos dos jovens assassinados e um QR Code que direciona o internauta para uma série de vídeos intitulada Paraisópolis: 3 atos, 9 vidas.
O conjunto de documentários foi produzido pelo Centro de Antropologia e Arqueologia Forense da Universidade Federal de São Paulo (CAAF/Unifesp), pelo Núcleo Especializado de Infância e Juventude (NEIJ) e pelo Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos (NECDH) da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, em parceria com os familiares das vítimas.
O material apresenta os resultados de uma análise multidisciplinar da ocorrência e revela como agiu o 16º Batalhão da Polícia Militar do Estado de São Paulo (PMESP) na repressão aos jovens. Após o cortejo pelo Centro de São Paulo, o padre Júlio Lancellotti celebrara missa na Catedral da Sé para os familiares, amigos, ativistas e população em geral.
De acordo com as famílias, há uma série de inverdades nas justificativas dos policiais. Segundo elas, as investigações revelam que as mortes não foram acidentais, tampouco ocorreram como resultado de pisoteamento, conforme versão do comando da tropa. Testemunhas corroboram a narrativa dos familiares. Vídeos produzidos por moradores também mostram que não houve conduta violenta ou resistência por parte dos jovens. Por fim, imagens e registros de áudio provam a omissão de socorro às vítimas.
Ao convocar o ato, familiares e movimentos sociais classificam assim a ocorrência: “trata-se da atualização da nossa condição colonial, da necropolítica dominante em uma sociedade na qual alguns decidem sobre o direito à vida ou morte de quem é pobre, negro ou periférico”.
De acordo com o defensor público Daniel Palotti Secco, há evidências inequívocas de que as mortes não resultaram de pisoteamento. “Os jovens morreram prensados, por compressão, nas estreitas vielas de Paraisópolis”, explica. Na conclusão do inquérito, apontou-se a atuação culposa de nove policiais. O delegado Manoel Fernandes Soares, do Departamento de Homicídio e Proteção à Pessoa (DHPP), afirmou, no documento de indiciamento, que “não observaram o necessário cuidado objetivo que lhes era exigível, sendo previsível, no contexto da ação”.
A Defensoria Pública divergiu, apontando a ocorrência de homicídio doloso (quando há intenção de matar). Essa tese foi acolhida pelo Ministério Público, que ofereceu denúncia, sustentando que os agentes a serviço da segurança pública “agiram por motivo torpe e com meio que resultou em perigo comum, atuando de surpresa, recurso este que dificultou a defesa dos ofendidos”. Em Julho deste ano, o Tribunal de Justiça de São Paulo aceitou a denúncia e tornou réus 12 policiais militares envolvidos na ação. O processo se encontra na fase de citação dos acusados.
O protesto de uma mãe
Em 2019, na época do massacre, Denys Henrique Quirino da Silva tinha 16 anos, cursava o primeiro ano do ensino médio e trabalhava duro em uma empresa que limpava sofás, tapetes e cortinas. Morando no Bairro do Limão, ele também se preparava para virar sócio da mãe em uma empresa de assistência técnica para aparelhos de refrigeração.
No dia 1º de Dezembro, sem alarde, foi curtir uma festa com os amigos, um baile funk em Paraisópolis, do outro lado da cidade. Garoto estiloso e piadista, nunca quisera nada com a violência. E não soube lidar com ela quando a Polícia Militar resolveu investir duramente contra os jovens.
Eram oito da manhã quando Maria Cristina Quirino Portugal, já desesperada com o atraso do filho, recebeu uma ligação do Hospital de Campo Limpo. Pediam o comparecimento de um familiar. Denys era uma das nove vítimas fatais da desastrosa ação das forças da lei.
“Dois anos depois, além da sensação de vazio, fica essa vontade nossa de fazer prevalecer a verdade, de desmontar a narrativa dos agressores, cheias de mentiras”, desabafa Maria Cristina. “Espero que a morte do meu filho não tenha sido em vão, e que as autoridades mudem as leis, a conduta das polícias, para que outros jovens não tenham o mesmo fim”.
Walter Falceta é jornalista e um dos fundadores do Coletivo Democracia Corintiana (CDC)