Desmazelos e desmantelados urbanos

Por Tião Nicomedes

 

– Lá vai o comboio da maldade.

Assim são vistas as equipes de zeladorias urbanas, responsáveis pela limpeza da cidade. E até se confundem -ou se fundem-  com “o rapa .

Em tese, combatem a pirataria.

No pacote vem o caminhão cata bagulho, o caminhão pipa. Varrer, recolher, lavar.

Ainda no comboio, as viaturas da GCM. E dentro das próprias vans e peruas vêm os soldados da PM.

Prá ver a complexidade da força tarefa, a dimensão da coisa!

Higienizar a cidade não é coisa fácil. Era prá serem queridos, solicitados e esperados com alegria.

Até tem esse lado, mas por parte dos munícipes e o comércio em geral. Porém, na ótica dos ambulantes, carroceiros e a gama do #povodarua são vistas como inimigas, as equipes de limpeza urbana e zeladorias.

Gente, só não implicam com trabalhadores da conservação de logradouros, que consertam calçadas e desentopem bueiros.

Então, a liga de heróis, e também a liga de vilões.

Geralmente o coro come. Porrada, tiro e bomba. Entram no roteiro. Conforme os lugares onde o comboio passa.

Claro, isso não é  uma regra. Há locais, por exemplo, em que as malocas e as equipes de zeladoria são meio que parceiras. Um grupo não atrasa o lado do outro, até interagem.

Isso ocorre em todo o país.

Atritos são frequentes nas capitais, nas pequenas grandes cidades, com  muitos habitantes. Soma-se a escassez de banheiros públicos. Aí que piora tudo.

Não obstante, as cidades fedem mijo e bosta. Sendo mais elegante: urina e fezes.

Justificam se aí o emprego do caminhão pipa. Utilizando água de reuso.

A treta tá nos objetos encontrados (recolhidos, nalguns casos. apreendidos noutros caso):

Papelão, colchão, barraca, cobertor.

O que e lixo para os garis para outros pode significar “pertences”.

Em suma: ítens de sobrevivência.

Mas vamos focar  nos catadores de materiais recicláveis, mais especificamente os avulsos. Fora das cooperativas e não organizados.

Entram na comitiva: carroceiros, carrinheiros e sacoleiros da garimpagem. Trabalho que implica desde rasgar sacos de lixo aos acumuladores das calcadas.

Como assim?

Questões de cidadania, tem em todas classes sociais. E com catadores, não seria diferente.

Há os que reviram lixo, retiram o que interessa e recompõem os sacos de lixo.

Há os que espalham tudo, lixo por toda parte.

Há os acumuladores, que fazem das calcadas, o ecoponto, o depósito de reciclagem a céu aberto. Amontoados de papéis, revistas, livros, folhas de computador, papeis higiênicos usados e por aí vai. Alguns mais acometidos de saúde mental. Fazem uma lambança (fogo no cobre, fumaça na cidade).

Mas, o objetivo final acaba sendo conseguir algum dinheiro para sobreviver. Esse é o ponto em comum: geração de Renda.

Desde aquelas pessoas trabalhadoras, que puxam toneladas de resíduos sólidos para alimentar a família e ou simplesmente meio de auto sustento até aos que, chamados “noias”, mais delicadamente falando, pequenos dependentes químicos, que catam somente o necessário  para fazer uso de drogas. Licitas ou  ilícitas. Do corote ao cachimbo.

É toda uma cadeia produtiva, sistemática. São os mecanismos da economia.

Aí entram depósito de ferro velho, cooperativas.

A coisa da reciclagem chega aos portos.

Temos no Brasil containers e mais containers de lixo, parados em porões de navios, sem ter um destino certo, pensado.

Ah, e os munícipes, das residências simples aos aglomerados e condomínios? Prá variar, não separam o lixo.

Sim, há os que tem a cultura de fazer a separação correta, porém nem todo bairro é contemplado com a vinda de caminhos da #coletaseletiva.

Aí vem os caminhões de lixo, triturando tudo. E moem se tudo num balaio só.

De algum modo, a indústria da miséria, é  altamente lucrativa.

Vide a #pandemia: gerou empobrecimento generalizado.

E, no entanto, há os que enriqueceram absurdamente, entrando para a lista da #Forbes de “os milionários do planeta”.

Eu vou perder o raciocínio. ao ver três crianças numa carroça. Brincando.

Segundos adiante a mãe aparece trazendo caixas vazias de papelão e sai puxando tudo e todos.

Um grito me vem à cabeça. Justiça? Não. Isso não me ocorreu.

Fraseque deriva de abre alas ,sai da frente.

Ou seja: “ow pesado”.

 

Tião Nicomedes

Sebastião Nicomedes de Oliveira é “poeta das ruas”. Autor da peça teatral Diário de um Carroceiro e do livro As Marvadas é artista popular. Ex-catador e ex-morador em situação de rua, integra o MIPR (Movimento Internacional de População em Situação de Rua).
crédito da foto: Tião Nicomedes

 

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