Construir Resistência
Crédito da foto: Desirée Cipriano Rabelo

Desde a Catalunha, meu grito: “Que viva o SUS!”

Por Desirée Cipriano Rabelo

A notícia que eu mais temia chegou há poucos dias: um dos meus filhos deu positivo para a #Covid-19.

Depois de ter perdido um irmão, vários parentes e amigos, a informação me provoca quase um pânico. Mas tento acalmar-me e analisar a situação: ela tem 19 anos, provavelmente se infectou com a variante Delta que, embora altamente contagiosa, não é tão letal. Melhor ainda: minha filha, assim como eu e meu marido, vivemos na #Catalunha, Espanha.

E é esta experiência de ser um “paciente Covid” aqui que quero compartilhar com vocês. Pois o atendimento que tivemos despertou em mim o desejo de erguer um cartaz  e um brado em defesa do nosso #SUS (Sistema Único de Saúde), como tantas pessoas fazem aí no Brasil ao receber a vacina.

Mesmo de longe, meu cartaz ou grito quer resgatar aquele sonho nascido lá da década de 1970, no movimento da #ReformaSanitária, que culminou com a proposta do SUS aprovada na #Constituiçãode1988. Um serviço universal e de qualidade para os cidadãos que, para funcionar, precisa de estrutura apropriada e profissionais com condições de trabalhar com dignidade – e não obrigados, a cada jornada, a se transformarem em um MacGyver – o personagem de um seriado TV conhecido por sua habilidade de salvar a si e seus companheiros sempre improvisando estratégias e instrumentos.

Mas voltemos a minha filha e à Catalunha. Após ser alertada que uma companheira de balada fora contagiada, fomos ao Centro de Atenção Primária mais próximo – correspondente ao nosso posto de saúde. Lá, minha filha foi atendida e, como não apresentava sintomas, recebeu instruções para permanecer em casa e o teste foi marcado para a manhã seguinte.

Após 24 horas da realização do #PCR, ela recebeu uma ligação informando sobre o resultado positivo. E, também, orientações mais detalhadas sobre os procedimentos da #quarentena, o que fazer em caso de piora etc. Precisou, ainda, responder várias perguntas tipo: ocorrência de sintomas, necessidade de atestado para o trabalho ou se sua casa oferecia condições para isolar-se (caso negativo o governo providencia um alojamento). Finalmente teve que informar sobre “contatos estreitos”, pessoas com as quais havia estado nas últimas 48 horas. Como ela já vinha fazendo a quarentena por conta própria, a lista incluía apenas o seu pai e eu.

Logo depois tocou a nós dois recebermos uma chamada semelhante, basicamente com o mesmo roteiro. Os atendentes sempre eram muito simpáticos e tranquilos. No meu caso, quando perguntada sobre meu estado de saúde mental, se estava deprimida ou algo do tipo, contei que estava muito mal porque havia acabado de perder minha mãe e dois meses antes um irmão, este por #Covid-19.

A atendente, então, quis saber se eu gostaria de conversar com alguém que pudesse ajudar e, eventualmente, encaminhar-me a uma consulta. Respondi que sim. Menos de duas horas depois recebi uma ligação de uma psicóloga que conversou comigo por uma hora! Com paciência e muita empatia, estimulou-me a falar de minhas perdas e, também, das coisas positivas que tinha. Também sugeriu-me preparar um ritual de despedida (já que não havia participado dos enterros) ou escrever uma carta de despedida, para ajudar mitigar a dor e fechar o ciclo. Enfim, foi um momento único de escuta amiga.

Em resumo, entre o resultado positivo do teste e todos esses telefonemas não se passaram nem 10 horas! Vale dizer que o tipo de visto de residente que tenho aqui me obriga a ter um plano de saúde privado. Entretanto, com a pandemia, a administração da Catalunha (e também de outras comunidades) liberou para que todos se inscrevessem no “Servei Català de Salut” – suponho que para garantir um amplo atendimento dos moradores (e inclusive a vacinação) e ter maior controle da situação.

Essa foi a minha primeira e positiva experiência de atendimento no serviço público de saúde local neste país. Isso não significa que ele seja perfeito. Com a chegada do verão, os casos de contaminação entre jovens explodiram na Espanha. Menos graves, eles não exigem tantas hospitalizações. Em compensação sobrecarregam o sistema de atenção primária. Na Catalunha, os testes nos contatos estreitos foram suspensos e só ocorrem se há sintomas. Segundo os sindicatos do setor, na Comunidade Europeia os profissionais de saúde espanhóis estão entre com pior remuneração. O que vem gerando a evasão de trabalhadores para outros países, em busca de melhores condições de trabalho e salários.

E, como no Brasil, aqui também há pressões contra o #lockdown. Com uma economia fortemente baseada no turismo, o entusiasmo de empresários e trabalhadores pelo retorno dos turistas está dando lugar ao desespero. Hotéis e bares estão fechados ou funcionando com muitas limitações desde março de 2020. Graças à vacinação e aos tantos protocolos sanitários empregados, ninguém esperava outro verão de prejuízos. E já se fala oficialmente na quinta onda. Mas, mesmo com protestos, as restrições de horário e locomoção estão voltando e sendo cumpridas (com exceções das festas clandestinas – que o próprio nome já define seu caráter). Em resumo, prevalecem os argumentos médicos-científicos. Primeiro salvam-se vidas. A economia vem depois.

Enfim, foi essa experiência que me faz gritar “Que viva o SUS!”. Este Sistema e seus profissionais que se confirmaram tão essenciais para o Brasil neste momento crítico, merecem muito mais. Merecem atingir a plenitude institucional, a capacidade e qualidade de atuação sonhadas há tanto tempo. Se com tão pouco ele já faz tanto, imaginem se os recursos a ele destinados chegassem integralmente?

Qual é o caminho para que isso aconteça? Se o sistema de saúde aqui não é perfeito, ele já foi muito pior. E pouco a pouco está melhorando. Sem mágicas, mas com o trabalho das administrações e a pressão da população.

Por isso pensei: “Sonho que se sonha só é só um sonho que se sonha só…”

E se sonharmos juntos? E se sairmos todos às ruas? E se gritamos e exigirmos em uníssono:

“Que viva o SUS!!!”

Texto e fotos: Desirée Cipriano Rabelo

A autora é jornalista. Após aposentar-se na #UFES (Universidade Federal do Espírito Santo), onde lecionava e pesquisava sobre comunicação e mobilização social, partiu em busca de novos aprendizados. Atualmente vive em Barcelona, Espanha.

Compartilhar:

Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp
Email

Matérias Relacionadas

Rolar para cima