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Democracia ameaçada

Por Sonia Castro Lopes

Hierarquia e disciplina sempre foram valores imprescindíveis e inegociáveis na carreira militar. O que se viu na última quinta feira (3/6) foi um verdadeiro desrespeito às normas do estatuto das Forças Armadas. O episódio do arquivamento do processo do general Pazuello mobilizou, além de jornalistas, diversos cientistas políticos e historiadores que se manifestaram impactados pelos últimos acontecimentos. A grande questão é: Bolsonaro  tem apoio apenas entre as forças policiais e as baixas patentes das Forças Armadas? Bem, isso já seria motivo para nos preocupar em relação à possibilidade da deflagração de um golpe, especialmente se ele não conseguir reeleger-se no próximo ano. Até aí todos concordam, como concordam que as tensões entre o presidente e os militares só tendem a enfraquecer a nossa já frágil democracia. Mas em relação ao Exército como instituição, notadamente a alta oficialidade que o elegeu achando que poderia “conter os arroubos” do capitão, qual seria a posição deste grupo no caso de o presidente ultrapassar todas as barreiras do bom senso e atingir o Estado Democrático de Direito?

A grande maioria dos especialistas tende a achar que o Exército como instituição do Estado e não do Governo não chancelará golpes que por ventura estejam no radar do capitão. Embarcaram na sua candidatura por influência dos generais Villas Boas e Heleno, por um sentimento antipetista ou porque pensavam que seriam capazes de tutelá-lo, o que já viram ser impossível. Como afirma Paulo Ribeiro da Cunha, professor de ciência política da Unesp, “hoje esse grupo está muito mais preocupado em tentar uma saída sem maiores danos do que em forçar a reeleição de Bolsonaro (…) estão mais preocupados em buscar uma alternativa  do que ver Bolsonaro como uma alternativa. Tentarão sair com um mínimo de lisura do processo, preservando a instituição.” (CUNHA, P. R. Entrevista a Felipe Bächtold. Folha de SP, 6/6/21, p. A6)

Para Carlos Fico, professor da UFRJ e pesquisador das Forças Armadas e da ditadura militar, “as Forças Armadas e o Exército, em particular, se envolveram de maneira promíscua nesse governo, aceitando cargos, dando apoio político expresso, como no caso do famoso tuíte do ex-comandante Villas Bôas. Então ficou muito difícil para o Exército se afastar minimamente desse governo (…) o que inclusive passa em boa medida por boquinhas, cargos, salários (…) é o que explica esse acovardamento do comandante atual que ninguém esperava, diga-se de passagem.” (FICO, C. Entrevista a Mariana Muniz. O Globo, 4/6/21, p. 5)

O historiador José Murilo de Carvalho que estuda a participação dos militares na política brasileira acredita que a decisão do Exército em não punir o general Pazuello “representa uma capitulação desmoralizante para o comando da instituição e pode ter sérias conseqüências para o funcionamento da democracia brasileira. (…) A transformação do Exército em instrumento da política do presidente vai afetar as eleições de 2022 (…) As Forças Armadas terão que decidir se vão adotar a linha de Villas Boas, configurando nova intervenção política ou se vão reafirmar o papel que se atribuem de instituição do Estado.” (CARVALHO, J. M. Entrevista a Sérgio Roxo. O Globo, 5/6/21, p. 6)

João Roberto Martins Filho, estudioso das Forças Armadas e autor do livro Os militares e a crise brasileira (Editora Alameda) afirma que “as Forças Armadas não são um poder moderador, mas o STF e o Congresso, se atacados, poderiam requisitar tropas militares. Se o exército cada vez mais se dobrar a Bolsonaro, nem esse último recurso de defesa dos poderes legislativo e judiciário vai existir (…) É um caminho para o fascismo.” (El Pais, 5/6/21)

Cientista político e professor do IESP/UERJ, Christian Lynch não concorda com a tese de que Bolsonaro e os militares tenham objetivos comuns. O preço de submissão será muito caro para o Alto-Comando do Exército. O presidente “tenta transformar as Forças Armadas em base de partido, mas isso não é fato consumado (…) Não há no horizonte a possibilidade de um golpe militar nos moldes tradicionais, o Brasil não é o mesmo dos anos 50,60,70 (…) O que vemos em outros países que se tornaram autoritários é uma tentativa de erosão permanente do estado democrático.” (El Pais, 5/6/21)

Em síntese, todos os especialistas aqui citados são unânimes em afirmar que o alerta está ligado, pois a crise entre governo e militares produz desgastes na democracia, além de evidenciar sinais de que o Exército está dividido. Para alguns membros do Alto Comando não deve haver preocupação com um futuro golpe, apesar de considerarem o episódio de Pazuello muito grave. Mas há um visível temor entre o oficialato de que a desordem se instale, já que se abriu um precedente e a probabilidade de outros resolverem se manifestar acreditando que não sofrerão punição é muito grande.

Há, também, o temor de que a instituição saia com sua imagem arranhada, o que já é fato. Para a maioria dos especialistas, a ameaça maior deve vir dos oficiais comandantes da polícia que apóiam Bolsonaro em cujas manifestações os militares podem optar por não se envolverem diretamente. A omissão nesse caso pode favorecer a instabilidade, desencadear inúmeros protestos violentos e colocar em risco o já combalido regime democrático.

 

 

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