Corte drástico na Educação de Jovens e Adultos

Sonia Castro Lopes

MEC reduz em 94% os recursos do antigo ensino supletivo

Por Sonia Castro Lopes

Os recursos destinados à educação no Brasil para todos os níveis – da creche à universidade – encontram-se em queda livre. Porém, os maiores cortes realizados pelo MEC atingiram a Educação de Jovens e Adultos (EJA), antes denominada ensino supletivo. Dos R$ 76 milhões destinados a essa modalidade de ensino em 2018, o orçamento caiu para R$ 4 milhões no corrente ano, sendo extintos programas de governos passados que estimulavam estados e municípios a expandir vagas para EJA. De acordo com dados do IBGE, temos cerca de 11 milhões de analfabetos, ou seja, 6,8% da população brasileira vive um drama social que perdura desde o século passado e o país ainda se ressente de um conjunto robusto de políticas públicas adequadas.

Isso é extremamente grave, pois sabemos que a Constituição Federal de 1988 prevê o direito à educação para toda a população, inclusive para as pessoas que não tiveram acesso à escolarização em idade apropriada, seja na infância ou na adolescência. Por isso, é dever do governo federal, bem como de estados e municípios, assegurar a oferta pública e gratuita de educação escolar para jovens e adultos. As turmas de EJA são majoritariamente compostas por trabalhadores negros pobres e por isso apresentam especificidades e questões que devem ser tratadas à luz de metodologias e práticas pedagógicas próprias.

Em meados do século passado quando a taxa de analfabetismo no Brasil era altíssima (algo em torno de 50%) destacou-se a iniciativa gestada no âmbito do Movimento de Cultura Popular em Pernambuco pelo educador Paulo Freire (1921-1997) que tinha como proposta levar ao povo analfabeto o conceito antropológico de cultura, ressaltando o papel do homem como transformador da realidade. Sua metodologia obedecia a várias etapas desde o levantamento vocabular dos alunos para a seleção das palavras geradoras até a problematização das situações vivenciadas por eles com a posterior discussão para a formação de uma consciência crítica.

Paulo Freire trouxe visibilidade para a Educação de Jovens e Adultos e contestou a ideia – muitas vezes reproduzida pelos próprios alunos – de que o tempo que o estudante ficou fora da escola foi um tempo perdido. Em uma perspectiva pedagógica dialógica e democrática, nenhum tempo é “perdido”, pois cada tempo possui sua própria aprendizagem. O conceito de “saber de experiência”, elaborado por Paulo Freire, refere-se aos saberes acumulados pelos estudantes fora do espaço escolar, que devem ser valorizados ao longo do processo pedagógico, sem serem menosprezados como inferiores ao saber científico. A pedagogia libertadora de Freire alicerçava-se na concepção do homem como sujeito da história, na ideia de conscientização e engajamento na luta para mudar a realidade. Com o golpe civil-militar de 64 o projeto de alfabetização de adultos imaginado por Freire foi desmontado cedendo lugar ao famigerado MOBRAL,de triste memória.

Historicamente, a EJA sempre ocupou posição secundária nas políticas educacionais, que ainda priorizam a universalização de acesso e qualidade da aprendizagem de crianças e adolescentes. Até recentemente era percebida como ação filantrópica, invariavelmente acompanhada de estereótipos negativos e preconceitos que rotulavam o “analfabeto” não como alguém que teve seu direito à educação violado, mas como se ele próprio fosse o principal responsável pela situação vivenciada. A partir da primeira década do século 21 houve mudanças no discurso que, de algum modo, procura resgatar essa dívida social e uma das principais consequências dessa nova visão resultou na inclusão da EJA no FUNDEB (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação).

Entre as metas do Plano Nacional de Educação (PNE) existe a previsão de aumentar em até 25% o nível de escolaridade da população por meio da expansão da oferta de Educação de Jovens e Adultos vinculada à educação profissional. Se em 2014 (ano da promulgação do PNE) essa oferta era de 2,8%, atualmente o índice caiu para 1,8%, ou seja, retrocedemos em termos de políticas para EJA, ainda que inúmeras pesquisas apontem que o aumento da renda esteja diretamente relacionado à expansão da escolaridade. Sabemos que a esmagadora maioria de alunos da EJA passa por problemas de caráter socioeconômico, vitimados pelo desemprego e consequente perda de renda.

A Educação de Jovens e Adultos deve ter como principal objetivo a restauração de direitos violados e isso implica uma maior necessidade de integração das políticas públicas. Os estudantes que retornam aos bancos escolares na idade adulta enfrentam situações de risco e vulnerabilidade que não podem ser ignoradas, sobretudo no contexto pandêmico. Reduzir os recursos destinados à educação popular é mais uma atitude criminosa do atual governo que acarretará consequências desatrosas para o país, particularmente no que se refere ao agravamento da  desigualdade social.

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