Copa no Catar: protesto e bola?

Por Hélio Alcântara 

Alemanha protesto Foto: Divulgação

O Catar é um dos países mais ricos do Planeta, mas segue na Idade Média. Seus governantes consideram o homossexualismo crime e preveem punições que vão desde o apedrejamento a sete anos de cadeia. Acham, também, que mulheres são inferiores e existem para servir aos homens. E não têm o menor apreço pelas liberdades individuais, muito menos respeito aos direitos humanos – manda quem tem poder, obedece quem não quer morrer.

Durante a construção dos estádios para a Copa do Mundo, os operários enfrentaram condições de trabalho indignos (incluindo salários retidos e passaportes confiscados) e milhares deles (a maioria formada por paquistaneses, nepaleses, indianos, cingaleses e bengalis) morreram. Quem tentou denunciar enfrentou chibatadas – de novo, a Idade Média.

Dia desses, já no período de “aquecimento” das equipes jornalísticas para a cobertura da Copa, uma equipe de TV da Noruega foi ameaçada por fazer imagens na rua. A polícia quis confiscar a câmera do cinegrafista e exigiu que ele apagasse as imagens (vimos isso recentemente por aqui, não?). Com a repercussão internacional, o governo do Catar pediu desculpas.

As denúncias sobre violações de direitos humanos no Catar ganharam mais visibilidade neste 2022, especialmente porque confederações e atletas-protagonistas de seleções importantes passaram a se manifestar, alguns prometendo protestar durante a competição. São os casos de Inglaterra, Alemanha, Holanda, França, Bélgica, Dinamarca, Austrália, País de Gales e Suíça. Entre os atletas, o atacante Harry Kane, da Inglaterra, prometeu publicamente usar a tarja de capitão com as cores do arco-íris, em homenagem ao movimento “One Love” (“Um Amor”), assim como alguns dos capitães das seleções citadas. Querem mostrar ao planeta que são contra a discriminação e a favor da diversidade de gênero. O nível de consciência de vários jogadores europeus pode ser aferido pela fala do zagueiro holandês Virgil Van Dijk, na última quinta, 17: “Não somos cegos e surdos. Vemos as notícias sobre o que está acontecendo”.

Diante dessas e de outras manifestações, Gianni Infantino, presidente da FIFA, rapidamente divulgou que estavam proibidas manifestações de teor político antes e durante a competição. Depois pediu “foco no futebol”. E, hoje, véspera da abertura da Copa, chamou de “hipocrisia” e “lição de moral” as críticas ao regime do Catar. Infantino, como os ex-presidentes João Havelange e Sepp Blatter, faz política o tempo todo, e quando a coisa aperta ele monta no cavalo do cinismo e tenta separar o futebol da vida. Como o conhecem bem, vários dirigentes das confederações europeias que formam a UEFA (a organização gerencia o futebol europeu), não deram ouvidos e mantiveram a promessa de se posicionar durante o evento. Se vão cumpri-la, não sei. Mas o simples fato de a entidade máxima do futebol mundial ser confrontada mostra o quanto o universo do futebol profissional vem se transformando.

A FIFA é um câncer que precisa ser extirpado. Para manter o business funcionando, seu presidente e diretores fazem demagogia e capricham na autoimagem, apresentando ao mundo faixas contra o racismo, por exemplo. Na prática, porém, avaliam os riscos financeiros, e nada fazem. Na verdade, não se importam se países organizadores violam direitos humanos ou se, no limite, torturam e matam pessoas (vide Copa da Argentina, em 1978) – importa ver a bola da grana rolar.

É nesse ambiente, suspenso pela possibilidade de os protestos surgirem aqui e ali, que a Copa no Catar será aberta oficialmente neste domingo, 20, a partir do meio-dia (horário de Brasília). Eu adoraria ver os atletas se ajoelhando em campo antes de uma partida começar. Ou levantando o punho cerrado no alto para demonstrarem força. Ou, ainda, lendo um comunicado em que expressassem sua indignação diante das violações aos direitos humanos. Mas eu sei que quando a bola é movimentada, as questões complexas que incomodam são relativizadas…

Mas, e os jogadores brasileiros? Até agora (vendo-os daqui, de longe), se comportaram como o que são: meninos obedientes, cegos, surdos e mudos. Compreensível, porque assim que Infantino divulgou a nota, “pedindo foco no futebol”, o presidente Edinaldo Rodrigues, da CBF, imediatamente se alinhou ao mestre. E tentou justificar o comportamento afirmando que, no futebol mundial, o mais importante é realçar “muito mais o que nos une do que o que nos separa”. Concluiu, dizendo que “em conjunto com a FIFA, as autoridades do Catar e outras entidades, os assuntos extra futebol estão sendo tratados na certeza de que o futebol pode ser uma força para mudanças positivas nas sociedades de todo o mundo”. Além de mal escrito, bonito, né? Mas podemos traduzir assim: “Por favor, nos deixem em paz, porque ficaremos aqui durante um mês apenas. Depois vamos embora, e o povo do Catar que se dane pra resolver suas questões. Não temos nada a ver com isso”.

Mas (me perdoem a insistência), e os jogadores e a comissão técnica capitaneada por Tite? Vão dizer alguma coisa? Farão um protesto? O capitão da seleção pentacampeã usará a tarja com as cores do arco-íris? Ah vá!

 

Hélio Alcântara é jornalista e escritor. Autor do livro Wladimir, sobre o lateral corintiano

 

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