Por Marlene Carvalho
Conversa de feira
O que a jovem vai levar hoje? pergunta o feirante a uma senhora de uns setenta anos, que voltava da praia. Ela não compra nada e eu digo: aqui é o único lugar em que ela pode ser chamada de jovem. Ele cai na risada.
Na feira da Praça Gal. Osório, em Ipanema, que eu frequento fielmente há mais de quarenta anos, fui chamada de jovem até uma certa idade, agora não mais. Dois ou três feirantes têm me chamado de mãe: acho péssimo, mas não reclamo , eles querem agradar. Uma variação possível é ser tratada de madrinha, como faz um cadeirante sem pernas a quem eu dou esmola .
A última novidade em matéria de tratamento interclasses é chamar as mulheres de doutora. Parece uma extensão do velho costume de chamar de doutor qualquer homem branco, hétero, de classe média, que tenha carro. Chegou a nossa vez.
O feirante que me doutorou é negro, alto e forte, vende frutas selecionadas e tem dois ajudantes. Ele costumava falar umas frases em francês quando apareciam franceses na área. Bonjour, madame. C’est très sucrée!
Um dia eu lhe perguntei se tinha vivido na França, ele riu, disse que aprendeu na feira. Mas agora os turistas desapareceram e ele está renovando seu estilo. Eu comprei apenas uma dúzia de tangerinas (très sucrées) , enquanto ele esgrimia meu título: O que mais, doutora? Tudo ok, doutora? Até pra semana, doutora.
Comida de rua
A Rua Antonio Parreiras, em Ipanema, não tem estabelecimentos comerciais, mas ali encontramos, a preços módicos, comidinhas tradicionais que ninguém tem tempo ou paciência para fazer. Os vendedores fixos são três. Um rapaz alto, forte e muito sério ocupa o melhor ponto, próximo do portão do Hospital de Ipanema. Numa vitrine montada sobre duas rodas, traz empadão de frango, quibes fritos, cocadas, bolo, café e Guaravita. Chega antes das sete horas e sai por volta das duas, regular como um funcionário público.
A segunda vendedora se instala a alguns metros do primeiro (as distâncias são respeitadas com rigor). Sua vitrine é menor e a postura, mais relax. Tem uma jovem ajudante de penteado afro e põe na calçada três banquinhos de plástico encardidos. Um cartaz anuncia os preços: café, 1 real; pingado, 2 reais; bolo de copo, 4 reais. Por algum tempo, fez propaganda de um quarto para alugar por 400 reais.
Um senhor grisalho, magro e discreto é o terceiro vendedor , na esquina da Rua Jangadeiros. Seus produtos são uma festa para olhos gulosos: bolo de banana marrom brilhante de calda queimada, cuscuz branquinho eriçado de fiapos de côco, empadão de frango de crosta dourada, bolo mármore, cocadas pretas e brancas, pudim de leite condensado. As comidas são cortadas em pedaços uniformes, tudo muito bem apresentado.
A freguesia dos três vendedores são os pacientes da fila do Hospital, as pessoas que nele trabalham, os funcionários da Telefônica, os porteiros e entregadores da Antonio Parreiras.
Melhor isso que hambúrguer e fritas a preços absurdos.
Marlene Carvalho é escritora e professora aposentada da UFRJ.