Por Sylvia Leite
Quem decide ir à Turquia, e começa a pesquisar sobre Istambul, não tem como escapar: a primeira imagem que aparece é a de uma enorme construção em estilo predominantemente bizantino, com uma cúpula que em sua parte mais alta tem quase 56 metros de altura. Trata-se da Santa Sofia – Agia Sofia para os gregos e Ayasofya para os turcos – um prédio que nasceu como Igreja Ortodoxa, mas guarda elementos de outros períodos nos quais funcionou como Igreja Católica, Mesquita e Museu. Atualmente, a Santa Sofia voltou a ser usada como mesquita e não se sabe quantos ‘vaivens’ ainda haverá nesse sentido, mas, seja qual for a sua destinação em cada momento histórico, parece que um fato não irá mudar: a Santa Sofia é e, aparentemente, continuará sendo, o símbolo de Istambul.
O prédio foi construído no século 6 para servir como Catedral da Igreja Ortodoxa. Na época, a cidade que hoje chamamos de Istambul era conhecida como Constantinopla.
Consta que o imperador Justiniano I fez questão de acompanhar pessoalmente cada detalhe da construção e mandou retirar oito colunas coríntias de um templo em Baalbek, no Líbano, para utilizá-las na construção de Santa Sofia
A obra levou cinco anos para ser concluída e envolveu milhares de trabalhadores sob o comando dos dois matemáticos responsáveis pelo projeto: Isidoro de Mileto e Antêmio de Trales.
Durante quase um milênio, a Santa Sofia permaneceu como igreja, embora por um período de aproximadamente meio século – de 1204 a 1261-, durante o Patriarcado Latino de Constantinopla, tenha se convertido em Igreja Católica. A transformação em mesquita ocorreu em 1453, quando Constantinopla foi tomada pelos turcos.
Todas essas mudanças, aliadas ao período de 85 anos – de 1935 a 2020 – quando funcionou como museu, fizeram da Santa Sofia um caldeirão de estilos, onde se reconhece elementos das respectivas fés e culturas. Mais que isso: transformaram esse prédio milenar em um testemunho da história do país, que atravessa os impérios Romano (330–395), Bizantino (ou Império Romano do Oriente) (395–1204 e 1261–1453), Latino (1204–1261) e Otomano (1453–1922). Este último após a famosa tomada de Constantinopla pelos Turcos que todos estudamos na escola.
História e ‘pré-história’ da Santa Sofia
Antes da construção do prédio atual, que serviu a tantos propósitos, o terreno onde está localizada a Santa Sofia abrigou duas igrejas que foram destruídas, uma após a outra, em revoltas civis. A primeira foi construída pelo imperador Constantino no ano 335 e a segunda pelo imperador Teodósio, em 415. Em comum com a atual ambas têm o fato de serem dedicadas à Santa Sofia. O curioso é que, embora exista uma santa com esse nome, a Santa Sofia a que as três basílicas se referem é a Santa Sabedoria ou Sabedoria Divina.
O prédio atual foi erguido pelo imperador bizantino Justiniano I e seu nome completo é “Igreja da Santa Sabedoria de Deus”. Durante cerca de um milênio, foi a maior catedral do mundo, condição perdida somente em 1520 quando foi inaugurada a Catedral de Sevilha. Seu prédio serviu como sede do Patriarcado Ecumênico de Constantinopla –
antes instalado na Igreja de Santa Irene – e, durante séculos, foi palco de cerimônias oficiais do poder político, especialmente coroações.
Santa Sofia: um caldeirão cultural
Enquanto funcionou como igreja, a Santa Sofia guardou relíquias como a Coroa de Espinhos e a Verdadeira Cruz. Além disso, ostentou afrescos e mosaicos bizantinos. A mais significativa dessas imagens talvez seja o mosaico que retrata a Virgem Maria com o Menino Jesus no colo, tendo ao seu lado direito (esquerdo de quem admira a cena), o imperador Justiniano, segurando a maquete da igreja que ele próprio mandou construir e, ao lado esquerdo da santa (direito de que olha), o imperador Constantino segurando uma maquete de Constantinopla (atual Istambul), a cidade que ele ele fundou em 330, no lugar da antiga Bizâncio, para ser a nova capital do Império Romano.
Quando a catedral foi transformada em mesquita, em 1453, seus novos ocupantes cobriram os mosaicos com gesso ou com cimento a fim de atender à proibição de imagens humanas nos templos islâmicos. Ao longo desse novo período, o prédio ganhou quatro minaretes: três de arenito e calcário branco e um de tijolos vermelhos. Recebeu, ainda, enormes medalhões com caligrafias contendo nomes divinos ou versos (suras) de seu livro sagrado, o Corão. Dentro da nave foi construído um Mirabe, isto é, um tipo de nicho que é comum a todas as mesquitas e tem como função indicar a direção de Meca, a cidade sagrada dos muçulmanos.
Ao tornar-se museu, a Santa Sofia conciliou e exibiu todas esses traços culturais, mas o período de multiplicidade não durou nem um século. Em 2020, quando o prédio voltou a ser convertido em mesquita, os mosaicos foram novamente cobertos. 1
Notas
- 1 Leia, aqui no blog, sobre outros lugares especiais da Turquia: Pérgamo / Troia / Éfeso / Capadócia / Cisterna da Basílica / Pequena Sofia / Konya / Ikoniun
Santa Sofia ou Ayasofya – Istambul – Turquia – Europa
Fotos
- (1) Arild Vågen em Wikimedia – CC BY-SA 3.0
- (2,3 e 4 ) mostafa_meraji em Pixabay
- (5) Divulgação
- (6)José Luiz Bernardes Ribeiro em Wikimedia – CC BY-SA 3.0
Matéria publicada originalmente no link abaixo do Blog Lugares de Memória