Como foi que Jean Wyllys emparedou Eduardo Leite

Do blog do Moisés Mendes

O embate entre Eduardo Leite e Jean Wyllys é mais do que um duelo entre figuras públicas assumidamente gays.

É uma troca de farpas entre gays que assumem posições opostas como figuras públicas. Com uma acusação grave e nova nesse tipo de embate, apresentada entre as armas de Jean Wyllys.

A briga começou porque Eduardo Leite anunciou que manteria uma versão gaúcha do programa das escolas cívico-militares que, na versão federal, Lula decidiu desativar.

Todos os governadores de direita tomaram a mesma decisão, alguns bancando as escolas militarizadas com recursos estaduais, e outros, o caso de Leite, mantendo um projeto similar, não com militares das Forças Armadas, mas da Brigada Militar, a PM gaúcha.

Aí começou a briga. O ex-deputado escreveu no Twitter:

“Que governadores héteros de direita e extrema direita fizessem isso já era esperado. Mas de um gay? Se bem que gays com homofobia internalizada em geral desenvolvem libido e fetiches em relação ao autoritarismo e aos uniformes; se for branco e rico então”.

Leite não gostou de ser chamado de gay com homofobia internalizada e respondeu, também no Twitter:

“Manifestação deprimente e cheia de preconceitos em incontáveis direções… e que em nada contribui para construir uma sociedade com mais respeito e tolerância. @jeanwyllys_real, eu lamento a sua ignorância”.

Jean Wyllys retrucou:

“Deprimente é a tentativa de pinkwashing”.

É aí, nessa palavra pouco conhecida, que está a intervenção mais incisiva do agora servidor da área de comunicação do governo Lula.

A prática de pinkwashing (lavagem rosa) é uma acusação. Organizações, empresas e pessoas que aderem ao que seria pinkwashing são consideradas oportunistas, por utilizarem, como marketing de produto e marca, a causa LGBTQIA+ apenas quando tal adesão lhes interessa.

A noção de pinkwashing (veja link no final desse texto) foi estendida a qualquer atividade, inclusive à política, que tire proveito do que parece ser, mas não é.

É a acusação de Jean Wyllys contra Eduardo Leite. Em 2021, quando se apresentava como candidato a candidato à presidência da República, o governador tucano decidiu conceder uma entrevista a Pedro Bial admitindo que era gay.

Leite passou a ser um gay autorreferente, que fala do namorado, dos desafios que enfrenta e dos sentimentos íntimos.

Mas sem se referir à questão coletiva, sem ênfase à luta política em defesa das liberdades, da diversidade e do combate à violência e à discriminação.

Leite, branco, de clase média, governador, contribuiu para glamourizar a condição de gay bem de vida, mas não deu um passo adiante no sentido de alcançar seu poder como figura pública à luta LGBTQIA+, principalmente dos gays pobres e sem a proteção de cargos importantes.

O que Jean Wyllys disse é que não basta adotar ações nos cantinhos das políticas públicas, sem relevância no conjunto de programas afirmativos, se a condição de LGBTQIA+ for apenas uma marca pessoal.

Em cada Estado, nenhum político é mais poderoso do que o governador. Um governador com representação, com voto, com exemplos a oferecer, pode optar pela submissão ao eleitor ultraconservador? Pode, se estiver disposto a pagar o custo dessa escolha.

Jean Wyllys põe Leite diante de um constrangimento. Entre a luta política ampla em defesa das diferenças e das liberdades, de um lado, e de outro lado a obediência ao seu eleitor reacionário, o governador vem optando pelo segundo.

Não é uma decisão apenas pessoal ou privada. Porque não se trata mais de questão de foro íntimo, desde o momento em que a figura pública decidiu anunciar que é gay.

O governador Eduardo Leite foi quem informou a todos, como político, como figura pública exposta aos humores do mundo, que é gay.

Um dia, no dezembro de 2021, Leite disse, numa tentativa de explicação:

“Eu sou gay, e sou um governador gay. Não sou um gay governador, tanto quanto Obama nos Estados Unidos não foi um negro presidente, foi um presidente negro, e tenho orgulho disso”.

O que isso significa? São frases. Apenas frases que parecem sugerir a percepção das palavras gay e negro como adjetivos. E as duas palavras são, antes, substantivos e também substantivas. Muito substantivas.

https://inovasocial.com.br/empoderamento/pinkwashing-comunidade-lgbt/

Moisés Mendes é jornalista em Porto Alegre. Escreve também para os jornais Extra Classe, DCM e Brasil 247. É autor do livro de crônicas Todos querem ser Mujica (Editora Diadorim). Foi colunista e editor especial de Zero Hora

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