Como enfrentar o século da burrice humana

Por Walter Falceta 

O amigo Juraci me envia um texto de Extraclasse, assinado por Moisés Mendes. A pergunta, mais ou menos retórica, é: “estamos mais burros?”

Segundo o autor, é o seguinte:

– Estamos mais burros porque estamos mais ressentidos, mais preconceituosos, mais moralistas, mais racistas e mais homófobos. De acordo com um conceito que prosperou a partir dos anos 90, estaríamos perdendo não a inteligência das racionalidades, mas a emocional, afetiva e amorosa.

E emenda:

– O brasileiro ficou mais prepotente, egoísta e inescrupuloso. O rebaixamento da inteligência é o efeito dos ódios e da sabotagem da cidadania e das liberdades.

O tema é controverso. Há cerca de dez anos, vira e mexe, aparece um artigo tratando da idiotização humana ou do retrocesso generalizado das capacidades cognitivas.

Há quem diga que não estamos emburrecendo, mas nos tornando mais dependentes de tecnologias e benefícios da modernidade.

Certamente, o que chamamos arbitrariamente de “inteligência” surgiu a partir do estímulo ambiental. Se havia dificuldade, aparecia a necessidade de pensar, criar e solucionar o problema.

Para parte considerável dos neurocientistas, o desafio constante das habilidades de intelecção acabou por auxiliar na moldagem plástica do cérebro humano.

Tornou-o uma máquina mais desenvolvida para registrar observações, comparar, analisar, tirar conclusões e oferecer respostas de superação no jogo da sobrevivência.

O pesquisador Gerald Crabtree, da Universidade Stanford, tem uma boa tese: a inteligência “superior” humana foi resultado de uma enorme pressão evolutiva.

Mas essa pressão vem se reduzindo com a rotina. É um processo que começou com o sedentarismo do Neolítico, aprofundou-se com a edificação da pólis, naturalizou-se com o taylorismo fabril, avançou com o fordismo e entrou na fase da esculhambação geral com o advento da Internet.

Há pessoas que já não conseguem trafegar pela cidade onde nasceram sem a ajuda do GPS. Também já não fazem contas simples sem a calculadora embutida no smartphone.

De resto, a “bomba informática”, já anunciada por Paul Virílio, explodiu para gerar a realidade alterada das idiocracias mundiais.

O Brasil é vanguarda no processo de imbecilização. Não faz muito tempo, no ranking Ipsos Mori, o Brasil era o vice-campeão mundial de “percepção errada da realidade”.

Se uma praga global matasse todas as pessoas com mais de 25 anos, o país cairia em palpos de aranha. Pouca gente saberia manter em funcionamento as turbinas de Itaipu ou os sistemas de extração de óleo da Petrobras.

Geladeiras e máquinas de lavar quebradas provavelmente virariam armários ou casas de cachorro.

Estranho é que, quanto maior a carga de informação, maior a ignorância. Quando a gente fala de câmbio automotivo, por exemplo, normalmente pensa no Sistema H, de Packard e Hatcher, coisa de 1902.

Muito antes, no entanto, essa ideia já tinha sido parida por Ivan Kulibin, lá no remoto ano de 1791, quando o russo montou um veículo pedal com marchas.

Kulibin era um gênio, raciocinando a partir de processos de abstração. Não tinha guias, mapas, manuais, coisa nenhuma. Fazia a mente funcionar engatando blocos de ideias que representavam tamanhos, densidades e formas de matérias tangíveis.

Ele pensou em marchas veiculares depois de montar relógios. A base de engates de redução é a mesma. O que se passou na massa cinzenta desse inovador? Comparação. Dedução. Invenção. Tentativa. Resolução.

É difícil, muito difícil imaginar semelhante processo de desenvolvimento em uma sociedade em que os ofícios de pensamento e criação, inclusive artística, vêm sendo substituídos por softwares ou até mesmo por aplicativos de celular.

Neste século da burrice, os complexos exercícios pensamentais exigidos pela política também são substituídos por explicações simplificadas (e equivocadas) oferecidas pelas redes sociais.

O fascismo bestificante se nutre perfeitamente desse novo sistema de abastecimento de ideias.

Se pensar é difícil, o zap do miliciano “resolve” o problema inventando culpados e acenando com falsas soluções rápidas, normalmente baseadas no estímulo ao ódio contra os diferentes e divergentes.

Mudar esse paradigma depende da construção de engenhos digitais que elejam as pessoas como protagonistas no exercício do livre pensar, e não como instrumentos manipulados do poder ou plateias reprodutoras da estupidez.

Como as grandes redes estão nas mãos de rematados imbecis ou monstruosos canalhas, como Elon Musk, não há motivo para otimismo no curto prazo.

Como já manifestei antes, talvez nossa salvação seja a catástrofe climática. Em algum momento, ela vai destroçar as rotinas mecânicas e eletrônicas, gerando muito desconforto para as pessoas.

Será uma nova versão da pressão evolutiva, constituída enquanto demanda condicionante da sobrevivência. É a triste esperança de redenção da inteligência.

Imagem: Dianae

Walter Falceta é jornalista e um dos fundadores do Coletivo Democracia Corinthiana (CDC)

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