Cada militar tem a guerra que merece. Os argentinos tiveram a guerra das Malvinas, perdida pela arrogância e pela incapacidade de avaliar a força do inimigo.
Desqualificados como estrategistas, os generais foram empurrados para os cantos mais imundos da história do país, a partir do julgamento dos chefes golpistas em 1985.
A derrota nas Malvinas em 1982 humilhou os chefes militares, com a exposição do que eles eram: ditadores competentes para perseguir, torturar e matar, mas comandantes desastrados para cumprir a missão de defender o país.
Na guerra das Malvinas à brasileira, que esfacelou a imagem das Forças Armadas, os generais aliaram-se a um tenente com currículo comprometedor para qualquer servidor civil ou militar.
Um tenente expulso do Exército (com a desculpa de que estava sendo reformado), depois de todo tipo de ato de indisciplina, de afrontas aos superiores e de ameaçar jogar bombas em quartéis.
Na guerra das Malvinas brasileira, os generais se submeteram ao comando de um delinquente com voto.
Tentaram se apoderar do poder como tutores de um medíocre que explorava sua condição de ‘militar’ e político antissistema.
O que temos agora é a degradação militar. Se os generais argentinos têm o consolo de que pelo menos tentaram vencer uma guerra, os brasileiros não têm onde se agarrar.
Os generais brasileiros criaram condições até para que colegas de alta patente se transformassem em muambeiros de joias roubadas.
O Exército marca sua história como cúmplice, muito mais do que omisso, de crimes cometidos por gente fardada a serviço de uma família de milicianos.
Não fracassaram no enfretamento de um poder militar superior. Foram incompetentes para tutelar uma aberração humana e até para vender badulaques.
As Forças Armadas não serão mais as mesmas a partir de agora, mesmo que não se sabia direito o que possam vir a ser.
O tenente que pretendia explodir quartéis e desafiava os velhos generais da ditadura puxou os generais da sua geração para seu projeto de poder. Cruel, violento, mas medíocre e precário.
A estrutura militar que desaba com os destroços de Bolsonaro era politicamente inepta. Os generais não conseguiram manter o que planejaram, não só pela incompetência do tutelado, mas pela baixeza dos tutores.
A matança na pandemia, a formação de quadrilhas de vampiros fardados para vender vacinas, as omissões e as parcerias com grileiros e garimpeiros assassinos de povos da Amazônia, a tentativa de golpe contra o sistema eleitoral e depois contra o presidente eleito, tudo tem os rastros dos militares.
Nesse contexto, uma dúvida que se coloca a todo momento é cada vez mais irrelevante para a compreensão do que aconteceu.
Essa é a falsa dúvida: Bolsonaro corrompeu os militares, ou a estrutura militar se aproveitou de Bolsonaro para se corromper?
Todos os envolvidos em ações criminosas, nos quatro anos de poder do fascismo, foram figurantes, coadjuvantes, protagonistas ou acobertadores dos desmandos.
O caso das joias que envolveu o pai general e o filho coronel é a exposição da parte mais espetaculosa. Todo o resto, com muita coisa ainda encoberta, são peças da mesma estrutura. O poder militar tudo permitia.
Bolsonaro e os militares criaram os pântanos das Malvinas brasileiras. Aqui, não há nem a desculpa de que houve uma tentativa de defender o patrimônio e a honra de um país.
É a desonra o que fica no final. Bolsonaro foi líder e tutelado dos militares na guerra suja contra a democracia. Foram derrotados pelo povo, por Lula, por Alexandre de Moraes e pelas instituições que ainda funcionavam.
Chegou a hora de recolher os cadáveres. Depois da sequência de implosões da quinta-feira, é preciso juntar pedaços.
A cabeça de Bolsonaro pode ser encontrada no colo de algum general.
Moisés Mendes é jornalista em Porto Alegre. Foi colunista e editor especial de Zero Hora. Escreve também para os jornais Extra Classe, Jornalistas pela Democracia e Brasil 247. É autor do livro de crônicas ‘Todos querem ser Mujica’ (Editora Diadorim)