Casa para quem precisa

Sonho comum, direito para poucos
Adriana do Amaral
Cresci ouvindo: quem casa que casa. Sonho da casa própria. Lar Doce Lar. Roupa suja se lava em casa. Política da boa vizinhança e, nos nesses tempos de #pandemia da #Covid-19: #FiqueemCasa. Mas, a realidade é bem diferente.
Morar custa caro e manter uma casa tem sido privilégio para poucos. O metro quadrado é proibitivo para a maioria dos brasileiros e os aluguéis, somado aos serviços básicos como abastecimento de água, energia e tarifas diversas tornam a habitação um luxo. Não um direito. “Moradia e trabalho são as bases estruturantes de todo o ser humano”, enfatiza o engenheiro Luiz Kohara. Ele conhece como poucos a realidade da exclusão gerada pela falta da habitação e renda. Entende que a estrutura urbana das cidades fomenta a miserabilidade da população brasileira.
Coordenador do Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos, organização não governamental que desenvolve ações de defesa jurídico e/ou social junto às comunidades com conflitos fundiários, população em situação de rua,
catadores de materiais recicláveis e trabalhadores ambulantes, tem realizado um importante trabalho em parceria com redes de mobilização social contra os despejos durante a #pandemia da #Covid-19. Entre elas a Campanha Despejo Zero, pressionando para que o Estado Brasileiro assuma as suas responsabilidades constitucionais. Desde 1975 atua na luta pela promoção da Pessoa em Situação de Rua.
CONSTRUIRRESISTÊNCIA: A pandemia da #Covid-19 expôs um drama antigo das cidades brasileiras, potencializada na capital paulista: o direito à moradia. Por que há tanta casa sem gente e tanta gente sem casa? Por que essa conta não fecha? Falta interesse/compromisso com a moradia decente?
Luiz Kohara: A expansão da cidade de São Paulo sempre ocorreu e, ainda ocorre, segregando as famílias dos trabalhadores de menor renda para áreas com menor valor fundiário, onde há pouca infraestrutura e serviços públicos. Com isso, cerca de um terço da população da cidade de São Paulo moram em condições de extrema precariedade. Cidadãos que são expostos a inúmeros riscos e sem um acesso adequado aos serviços de saúde, educação, assistência social, cultura, segurança, mobilidade urbana e outros. A pandemia da #Covid-19 somente expôs, de forma abrupta, as consequências da grave desigualdade social, econômica e urbana da nossa cidade, com maior número de contaminados e mortes nas áreas periféricas e de concentração de pobreza. Se compararmos o déficit habitacional com o número de domicílios e imóveis vazios, que não cumprem a função social da propriedade, constatamos que são próximos. De imediato poderíamos dizer que não temos falta de moradia, mas a má distribuição da moradia. A causa desta contradição não é nova, porque ela é parte da estrutura socioeconômica que se sustenta nos baixo salário dos trabalhadores e na utilização do Estado para interesses privados, como podemos ver nas políticas urbanas que temos.
Por exemplo, as Parcerias Públicos Privada (PPP) na qual o setor imobiliário recebem áreas públicas para produção de habitação, cuja comercialização são inacessíveis para as famílias de até três salários mínimos, faixa que concentra cerca de 85% do déficit habitacional. Se não houver melhoria da renda dos trabalhadores, controle sobre a especulação imobiliária e somatória de esforços do governo federal, dos governos estaduais e governos municipais para produção massiva de moradia não vamos superar este grave problema.
A solução do déficit da habitação não depende apenas de produção de novas moradias, mas, também, da melhoria da infraestrutura onde já há as moradias. A solução depende da soma de esforços. O Programa Minha Casa Minha Vida, apesar de haver falhas a serem resolvidas, é o maior programa de produção habitacional na nossa história. O atual governo quer mudar o nome para Programa Casa Verde Amarela excluindo a faixa de menor renda que
representa a maioria do déficit habitacional.
CONSTRUIRRESISTÊNCIA: Você poderia explicar por que ter um teto é tão caro para os mais pobres? Os aluguéis nas pensões, cortiços e favelas são extorsivos. Isso contribui para o aumento da população em situação de rua?
Luiz Kohara: A moradia adequada, apesar de ser reconhecido no artigo 6˚ da Constituição Federal como um direito social fundamental de responsabilidade do Estado, não é assegurada para os trabalhadores de baixa renda, por ser uma mercadoria caríssima e acessível conforme a capacidade de pagamento.
A moradia urbana é uma mercadoria diferenciada em relação a outros produtos disponíveis no mercado. Ela agrega valor conforme as localizações e os investimentos públicos feitos em uma região e está submetida a interesses especulativos conforme a demanda e, também, devido concentração fundiária e imobiliária nas mãos de poucos.
Assim, cada vez mais as favelas e os loteamentos clandestinos estão mais adensados e as locações nos cortiços com valores extorsivos. Por exemplo, um quarto de cortiços precário de cerca de 10m², em região com boa
infraestrutura pública, custa cerca de R$ 900,00, fazendo com a família comprometa mais de 50% dos rendimentos só custeio do aluguel. Muitas famílias, para manter as despesas com a moradia, não consegue ter atendida de forma adequada as necessidades alimentares, da saúde, educação entre outros.
Quando observamos a trajetória de vida de quem está em situação de rua constatamos que isso tem a ver com falta de condições para manter uma moradia. Na pandemia, com a perda de renda, vimos que quem tem atendido a população em situação de rua relatos de pessoas de vieram para esta condição por não conseguir manter o pagamento dos aluguéis.
CONSTRUIRRESISTÊNCIA: Em tempos de crise humanitária vemos famílias inteiras sendo despejadas a partir do cumprimento dos mandados de desintegração de posse. O que esperar dessa política excludente? Há saída para os sem teto? Você tem números atualizados do aumento da população em situação de rua? Qual é o papel/atuação do Instituto Gaspar Garcia nesse universo tão desigual?
Luiz Kohara: O Programa Moradia Digna do Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos realiza defesa jurídica de mais de cem ações de remoções de comunidades na cidade de São Paulo. Assim, temos acompanhado a insensibilidade do Tribunal de Justiça com decisões de despejos, neste momento de crise humanitária em que todos precisam de uma moradia para proteger e desemprego, colocando as famílias em situação terrível de
humilhações e riscos de contaminações.
A política de exclusão é estrutural e perpassa todos os poderes – executivo, judiciário e legislativo -, que priorizam os interesses do capital privado em detrimento das necessidades da cidade e do setor popular. Não vejo saída para os sem teto com esta política de exclusão. Ela deve ser denunciada e combatida através da organização e mobilização popular para exigir que os órgãos públicos enfrentem o grave problema de moradia.
Não temos pesquisa sobre o crescimento da população em situação de rua na cidade de São Paulo, mas é visível na paisagem uma maior concentração de pessoas nos locais já conhecidos e também aparecimento de novos locais com muita gente em situação de rua.
Importante:
– O metro quadrado de um cortiço custa cerca de R$80 enquanto o metro quadrado num bairro de classe média da capital paulista como Pinheiros, Vila Mariana, Tatuapé ou Lapa não chega a R$30 o metro quadrado. Isso porque é a alternativa de moradia perto dos grandes centros urbanos, sem burocracia, facilitando o acesso aos serviços públicos e trabalho informal.
– As famílias que moram longe nas regiões periféricas levam parte do seu tempo no transporte público, que também é deficitário. São horas gastas no trajeto, sendo que elas poderiam ser aproveitadas para o estudo, lazer ou convívio familiar.
– Sem endereço fixo tudo é dificultado na vida do cidadão, desde o acesso à assistência médica, à educação, sistema de creches e trabalho formal.
– A falta de um teto gera o preconceito, a discriminação, a exclusão, a diminuição da autoestima e a desagregação familiar.
Saiba mais:
O Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos é uma organização ecumênica, não governamental (ONG), sem fins lucrativos ou econômicos. Desde 1988 atua junto a pessoas de baixa renda que possuem seus direitos violados,
conferindo a esta população o papel de protagonista social.

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