Carta ao Papa Francisco

Por Amanda Moreira

Rio de Janeiro, 06 de janeiro de 2022

Prezado papa Francisco,

Eu sempre te achei um cara maneiro, ainda mais considerando todo o repertório de pontífices que o Vaticano nos apresentou ao longo da História.

Apesar de eu não seguir a sua religião, e nenhuma outra, eu gosto da forma como você apresenta os seus posicionamentos, que aparecem como progressistas diante de todo o atraso que a sua Igreja sempre representou.

Como sabe, a influência da sua religião na vida das pessoas não é pequena, então, toda fala que implique na defesa de direitos, dos pobres, das mulheres, dos negros, dos imigrantes, dos homossexuais, é importante. E, dentro de todas as limitações, você tem feito isso.

Mas, Francisco, ontem você mandou muito mal!

Você falou que as mulheres que não querem ter filhos são egoístas e que isso tira a nossa humanidade.

Engraçado esse julgamento partir de alguém como você, que não tem filhos por escolha também. Mas não vou entrar nesse ponto, o que quero dizer, hermano, é que sua fala tem muita influência no mundo todo, como você sabe. Dizer algo assim leva mais mulheres à culpa e ao sistema de maternidade compulsória já tão presente.

Ao dizer isso, você contribui para a visão hegemônica que vê as mulheres que não têm filhos com aversão e censura. Como se elas tivessem que pedir perdão. Como se não tivessem do que se orgulhar.

Cansa ter que dizer que o papel da mulher não se resume à maternidade, é chato ter que repetir isso sempre.

Hoje o mundo não é mais como era antigamente, outras opções são apresentadas para a vida das mulheres, elas não precisam ficar presas em casa cuidando dos filhos. Aliás, a maternidade no sistema capitalista, inserida no âmbito da família e da propriedade privada, é o golpe mais cruel do patriarcado contra as mulheres. E é lamentável eu ter que dizer isso para um papa que parece ser tão descolado como você.

Já temos 8 bilhões de pessoas no mundo, se todos continuarmos reproduzindo a situação ficará insustentável e caminharemos para uma catástrofe humana, econômica, ética, ambiental. Sim, papa! As pessoas que optam por não ter filhos estão contribuindo (e muito!) para salvar o planeta.

Como argentino que és, achei que pudesse ser um pouco mais influenciado pelas mulheres do seu país, que sempre estiveram na vanguarda da luta pelos direitos reprodutivos. Mas, pelo jeito, você aprendeu muito pouco com elas e prefere reproduzir seus dogmas e dizer coisas que acabam contribuindo para a opressão de todas nós.

Em vez de você incentivar que repovoemos o mundo, seria melhor dizer: “A história da humanidade, que inclui as diversas ações da minha Igreja, nos mostrou os extremos da crueldade e do sadismo. Então, em protesto, não façam mais pessoas por um tempo – sem pessoas pelos próximos 50 anos! – em retaliação a tudo de ruim que estamos vivendo. Vamos cuidar dos que já estão aí e lutar contra a fome, a miséria, a falta de políticas sociais etc. Não gerem mais agressores ao meio ambiente, nem vítimas de violência. Acredito que assim fariam algo de mais útil com os seus úteros, afinal, vocês não se e resumem a esse órgão, mulheres”.

Sei que é pedir muito, considerando a função que ocupa, mas você poderia dar apoio às mulheres para que questionem o status quo com confiança e para que não olhem apenas para si mesmas mas também para o mundo que as está pressionando.

A luta por não ter filhos deve andar de mãos dadas com a luta pelo direito de ter filhos com dignidade, pela desromantização da maternidade, pelo respeito às mães dentre outros inúmeros direitos em relação às mulheres.

Precisamos seguir exigindo do Estado que forneça educação sexual, métodos contraceptivos e laqueaduras para mulheres que não têm acesso a essas coisas, salvando suas vidas. Acredito que essa é uma contribuição mais valiosa para o mundo do que simplesmente acrescentar mais uma pessoa.

Está difícil viver nesse mundo, caro papa, e colocar uma criança do jeito que estão as coisas é algo muito sério. Respeito muito quem tem a decisão de ter ou não filhos, e o senhor também deveria.

Um abraço e passe bem.

Amanda

#NãoàMaternidadeCompulsória
#PeloDireitodasmulheres

 

Foto: Papa Francisco celebra missa no Vaticano. 24/12/2021. REUTERS/ Guglielmo Mangiapane.

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