Sonia Castro Lopes
A juventude dourada do Leblon se revolta por não poder aproveitar o finalzinho do verão num dia de sol radiante porque a praia está interditada. O vendedor ambulante, enxotado da areia pela guarda municipal, xinga o prefeito. A senhorinha que caminha no calçadão queixa-se à amiga de que proibiram a feirinha de artesanato da praça Antero de Quental. Dois jovens tomam cerveja no quiosque do posto 11 e combinam se encontrar à noite na festa irada que uma amiga vai promover em seu apê no Alto Leblon. Na última sexta feira (18), jovens suburbanos divertiram-se dentro de um vagão de trem da Supervia num baile funk convocado pelas redes sociais. Quase todos sem máscara. O que essas pessoas têm em comum? O desejo de aproveitar, no limite, os prazeres que julgam merecer e que a pandemia lhes tirou. Carpe Diem, parecem clamar, até porque nem sabem se amanhã estarão vivos.
Quase 300 mil mortos em um ano de pandemia e o governo, negligente e, por isso, criminoso, parece não se importar. Isolamento social, vacina para todos e a manutenção do auxílio emergencial de R$600 poderiam resolver o problema. Mas o governo não quer. O presidente Jair Bolsonaro chegou a ameaçar decretação de ‘estado de sítio’ para impedir que governadores e prefeitos adotassem medidas restritivas no combate ao coronavírus. Para tanto, ingressou no STF na última sexta feira (18) com uma ação contestando o toque de recolher adotado em alguns estados e prefeituras Brasil afora. O país se divide entre políticos negacionistas que obedecem sem contestar as ordens do presidente e os mais responsáveis que decretaram interdições em áreas de lazer e limitações de horário em bares, lojas e restaurantes para evitar aglomerações desnecessárias. A maioria dos prefeitos e governadores não se entendem, como é o caso do Rio de Janeiro.
A pandemia está fora de controle e as picuinhas políticas prosseguem. UTIs repletas de doentes quase terminais, centenas de pessoas à espera de um leito na rede hospitalar pública e privada. A despeito do ‘efeito Lula’, a derrubada do incompetente general-ministro revelou-se inócua. Trocaram seis por meia dúzia como se diz por aí. O novo ministro, médico cardiologista e devoto do ‘mito’ ainda não tomou posse e hoje sabemos por quê. Já há quem o acuse de acumular em seu currículo um processo por desvio de recursos do patrimônio público. A quem recorrer?
O povo está cansado, precisa de lazer para afugentar a depressão e a falta de dinheiro, dizem os negacionistas. E a máxima não é de todo destituída de verdade. Trata-se de um argumento racional que causa no povo incrédulo o mesmo efeito que a propaganda fascista causou na Europa há quase cem anos. Esse apelo populista alcança a classe média ressentida e pouco esclarecida, atinge os jovens que se crêem imortais, mas, principalmente ecoa entre os desempregados, os sem renda, sem moradia, sem dignidade. Os que nada têm a perder.
O exemplo vem ‘de cima’ e a propaganda que aos olhos do povo se reveste de racionalidade é, na verdade, oportunista e eficaz. Mobiliza aquilo que há de mais irracional nas massas num momento de crise. Afugenta o medo, a fome, exacerba o desejo, os sentimentos de prazer, a pulsão de morte. Carpe diem! Carpe diem! Carpe diem! parecem gritar a uma só voz. Ou, traduzindo para o popular: É hoje só, amanhã não tem mais. E que se dane a vida.
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Boa crônica da desgraça !
E uma forma de resistir a tanta barbárie, amigo!