Capitão

Por Sílvio Queiroz

Para o meu pai

(17/4/17)

Foto: Arquivo pessoal

 

A farda: o fardo
que me afunda a alma
com seu peso farto

A fenda no meu âmago
amargo
de água do mar
engolida à força de um caldo
“Mão amiga, braço forte”
— aprendi de tanto ler
nas paredes de quartel

Braços fortes, ombros largos
nos instantes raros
de conforto no meu quarto:
papai, capitão,
amor fardado
graduado em divisas:
três estrelas
alguns estrilos
broncas ditas
entre dentes brancos
encravados no rosto tão moreno

Mãos firmes segurando
na praia
pra eu não me afogar
nem me perder

Pai…
onde estás que só te escuto
nos sonhos?

Aonde foi parar
teu ar risonho?

Uma noite, olhar tristonho
na outra, todo o garbo
e os abraços largos,
meus braços agarrados
no teu pescoço,
o perfume da loção de barba
gravado em meu olfato semimorto

Uma vez, me visita velho
na outra, de novo moço

E eu me despedaço
afoito
como quando, ainda criança,
não me cansava
de inventar disfarces
pra me parecer contigo

Depois, adolescente
era a imagem humana
do inimigo
em várias frentes:
política
poética
estética
ideológica

Amor traçado em linhas tortas,
torturado de memórias
obscuras, fantasmagóricas

História escrita a bico de pena
nas folhas finas
de uma alma ainda pequena

Retalhos de afeto,
estilhaços carinhosos
remontados em colagem
num coração pra sempre inquieto,
que pulsa aos sobressaltos

Anjos e demônios
tomam as noites de assalto
e se entrelaçam
numa dança incerta
— mas dançam de mãos dadas,
e a alma se conforta

Silvio Queiroz é jornalista, nascido em SP e radicado desde 2004 em Brasília, onde publica aos sábados a coluna #ConexãoDiplomática, no #CorreioBraziliense. Hoje, aos 58 anos, integra a Coordenação-Geral do #SindicatodosJornalistasProfissionais do Distrito Federal (SJPDF). Iniciado na vida partidária em 1979, no #PartidoComunistadoBrasil (PCdoB), milita atualmente no #PT, na tendência interna Articulação de Esquerda.

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