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CAPES sob nova direção

Sonia Castro Lopes

 

A CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nivel Superior – tem papel fundamental  na consolidação dos cursos de pós-graduação no Brasil. Criada no início do segundo governo Vargas pelo Decreto 29.741 de 11/07/1951, seu primeiro presidente foi o então ministro da educação, Ernesto Simões Filho, tendo como primeiro secretário o professor Anísio Teixeira. Tinha por  objetivo   aperfeiçoar quadros para exercer o magistério superior e oferecer bolsas-auxílio a “indivíduos capazes, sem recursos próprios, acesso a todas as oportunidades de aperfeiçoamento.” Empenhava-se em contratar diversos professores visitantes estrangeiros, estimular atividades de intercâmbio e cooperação entre instituições e conceder apoio a eventos científicos.

 

Entre 2009 e 2010 tive a oportunidade de  realizar missões de estudo e estágio pós-doutoral no Instituto de Educação da Universidade de Lisboa. No âmbito da história da educação, sob a supervisão do professor doutor Jorge Ramos do Ó, pude realizar pesquisas e estudos comparados sobre a formação e a profissionalização de professores no Brasil e em Portugal em finais do século XIX. Foram seis meses de trabalho financiados pela CAPES através de convênio estabelecido  com a Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) do Ministério da Educação de Portugal.

 

Atualmente, a CAPES é o órgão responsável por avaliar cursos de pós-graduação, atuar na formação de professores da educação básica,  divulgar informações científicas e promover a cooperação internacional de pesquisadores. Na última segunda-feira (12) foi anunciada a exoneração do presidente da CAPES, Benedito Guimarães Aguiar Neto, ocasião em que o ministro da educação, Milton Ribeiro,  declarou que seu substituto seria “um profissional de perfil técnico e acadêmico.”

 

Qual não foi a surpresa ao ser anunciado na última quinta-feira (15) que a nova responsável pelo órgão seria a advogada e reitora do Centro Universitário de Bauru (CUB), Cláudia Mansani Queda de Toledo. O CUB  teve um curso de pós-graduação descredenciado pela propria CAPES em 2017, por ter sido avaliado com nota 2.  Antes denominado Instituto Toledo de Ensino (ITE), o atual CUB  foi fundado pela família da reitora nos anos 50 no interior de São Paulo. Foi nesse curso que se formaram o ministro da educação, Milton Ribeiro, e o ex-ministro da justiça e atual advogado geral da União, André Mendonça. Nesse mesmo curso a reitora obteve doutoramento em Direito Constitucional no ano de 2012.

 

As razões alegadas para o descredenciamento do curso de mestrado “Sistema Constitucional de Garantias de Direitos” foram baseadas em fatos. Cerca de 35% dos docentes não lecionavam – presume-se que talvez  ali estivessem para emprestar seu nome ao curso -, 20% dos professores não se encontravam engajados em projetos de pesquisa e 23% não orientava alunos. Realidade bastante comum em instituições de ensino superior privadas onde o professor é auleiro, prescinde-se  de seu envolvimento em pesquisas, além de não receber por orientação de alunos. A precarização do trabalho docente há muito vem atingindo o ensino superior no país, especialmente, as instituições privadas.  Alguns professores de renome são contratados para “dar nome ao curso” mas pouco se envolvem com o ensino, tampouco com a pesquisa. No máximo, oferecem uma disciplina anual ou semestral, às vezes nem isso.

 

O curso em questão foi avaliado com nota 2 em 2017, portanto, reprovado e descredenciado. Mesmo após diversos recursos, a nota foi mantida. Pois bem, no ano passado (2020), sob a batuta do ministro Weintraub, esse mesmo curso obteve um novo parecer e recebeu nota 4. O desempenho com avaliação 3 ou 4 é considerado regular ou médio e o curso pode funcionar, levando-se em consideração que a nota máxima emitida pela CAPES é 7 para cursos de  excelência. Para funcionamento de cursos de mestrado as universidades devem obter no mínimo 3 pontos, já para doutorado exige-se 4 pontos.

 

O PPGD (Programa de Pós-Graduação em Direito) do Centro Universitário Bauru  iniciou seu mestrado em 1998 e o doutorado em 2007. Agora, com o novo conceito obtido, não só recupera o credenciamento do mestrado mas também pode iniciar o processo de revitalização do doutorado.

 

Em carta aberta à comunidade acadêmica, várias entidades manifestaram-se contra a posse da nova presidente, conforme trecho extraído do documento: “A presidente nomeada não possui uma carreira acadêmica compatível com a missão desempenhada pela CAPES ao longo da existência desta tão conceituada agência de fomento. A análise do seu currículo Lattes mostra incongruências inaceitáveis aos padrões estabelecidos pela própria CAPES para o funcionamento dos Programas de Pós-Graduação no país, em todas as áreas do conhecimento.”

 

Apesar do movimento contrário à nomeação da reitora ao cargo mais alto da CAPES, creio que dificilmente se obterá o resultado desejado. A escolha faz parte de um projeto de governo que desconsidera o desenvolvimento científico, privilegia a educação cívico-militar, apoia o ensino domiciliar, a ‘escola sem partido’ e outros tantos retrocessos sobre os quais já falamos à exaustão em  matérias aqui publicadas. Mais do que nunca podemos aplicar a este episódio a célebre frase de Darcy Ribeiro: “A crise da educação no Brasil é, na verdade, um projeto.”

 

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