Cala a boca já morreu?

CALA A BOCA JÁ MORREU?

A conflituosa relação entre o atual governo e as universidades

 

Por Sonia Castro Lopes

 

Até o advento do governo Bolsonaro achávamos que a intervenção de governos autoritários nos meios universitários fosse coisa do passado. Decreto 477, cassação ou aposentadoria compulsória de professores, repressão à mobilização estudantil, evasão de ‘cérebros’ para o exterior, prisão e assassinato de estudantes nos tempos da ditadura empresarial-militar pareciam ser atos confinados a um passado que hoje volta a assombrar nossas universidades. 

 

Desde que o atual governo tomou posse, as universidades brasileiras vêm sendo vítimas de perseguições e achincalhamentos. O próprio Presidente da República já verbalizou que a maioria dos universitários age como “idiotas úteis e massa de manobra de uma minoria espertalhona.” Por sua vez, o ex-ministro Abraham Weintraub afirmou que “há plantação de maconha nas universidades e utilização de laboratórios de química em [universidades] federais para a produção de drogas sintéticas.” Portanto, as universidades são vistas por essa tropa como ‘aparelhos de esquerda’ e ‘locais de balbúrdia’ onde predominam maconheiros e comunistas.

 

O último episódio a ilustrar essa queda de braço entre o governo e as universidades ocorreu quando a #ControladoriaGeraldaUnião (CGU) abriu investigação contra dois professores da #UFPel (Universidade Federal de Pelotas) –  Pedro Hellal e Eraldo Pinheiro – que teriam desferido críticas ao Presidente durante a cerimônia de posse da nova Reitoria. O evento, ocorrido no último dia 7 de janeiro, foi transmitido pelo canal da UFPel em redes sociais. 

 

Na ocasião, o professor Pedro Hallal teria afirmado que o “Presidente da República – presidente com p minúsculo – tentou dar um golpe na comunidade”, acrescentando: “O senhor não manda nada na UFPel, o senhor é desprezível.” Além de ex-reitor da UFPel, Hallal coordena na instituição uma pesquisa (EpiCovid) cujo objetivo é investigar a subnotificação da Covid no Brasil e, desde o ano passado, teria deixado de receber recursos do #MEC.  Hallal chegou a publicar na revista Lancet de janeiro um artigo que denuncia os ataques à ciência proferidos pelo governo em relação à pandemia, daí a retaliação. Na mesma cerimônia, Eraldo Pinheiro, pró-reitor de Extensão e Cultura da mesma universidade, desferiu igualmente duras críticas ao presidente definindo-o como “um sujeito machista, racista, homofóbico, genocida, que exalta torturadores e milicianos.”  

 

Após denúncia do deputado Bibo Nunes (PSL-RS), apoiador de Bolsonaro, a CGU iniciou o processo sob a justificativa de que os docentes protagonizaram discursos desrespeitosos direcionados ao Presidente. Para tal, baseou-se na lei que rege os servidores civis da União, autarquias e fundações federais (Lei n. 8112/1990) segundo a qual são proibidas manifestações de apreço ou desapreço ao governo no recinto das repartições.

 

Ambos os professores resolveram assinar o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para que o processo não prosseguisse. Segundo a CGU, o TAC é um instrumento de natureza consensual e não possui caráter punitivo. Com essa medida, os docentes se comprometeram a não repetir o ato nos próximos dois anos, ou seja, foram devidamente amordaçados. Tais documentos foram publicados no Diário Oficial do último dia 2 de março, porém, o professor Hellal garante que continuará emitindo suas análises e críticas e somente assinou o TAC para encerrar o processo. 

 

Como se não bastasse essa truculência jurídica, no dia 7 de fevereiro passado, o Ministério da Educação (MEC), atendendo recomendação do Ministério Público Federal de Goiás, expediu um ofício às universidades e institutos federais solicitando providências e punições contra atos político-partidários. Tal atitude, aliás, já fora contestada pelo #STF desde maio do ano passado quando, em reunião plenária, declarou-se a inconstitucionalidade de qualquer medida que afetasse a liberdade de expressão de pensamento e idéias de professores e alunos no ambiente universitário. 

 

Em que planeta vive esse ministro? Não conhece a autonomia universitária?  Não sabe que se encontram no cerne dessas instituições seculares princípios como a pluralidade de idéias e a liberdade de expressão? Como ele mesmo se define, trata-se de um “ministro espiritual” que deveria pregar suas idéias em outra freguesia, já que o ensino é laico e a educação deve ser preservada da influência de ideologias autoritárias. Mais uma vez, ao perceber que suas atitudes eram infundadas, ontem, o Ministro Milton Ribeiro voltou atrás, cancelando o ofício expedido há cerca de um mês. 

 

Atitudes como essas são análogas às utilizadas pelo ‘macartismo’ – movimento estadunidense que, no início da guerra fria, transformou-se em instrumento de censura e violação da liberdade de expressão. Hoje no Brasil usa-se e abusa-se desses ‘instrumentos legais’ para atacar adversários políticos e punir aqueles que ousam divergir das idéias autoritárias impostas por um governo que nega a ciência e o conhecimento produzido pelas pesquisas desenvolvidas no interior dos espaços universitários. Por isso, o corte de auxílios, de verbas, de bolsas de mestrado e doutorado, por isso a escolha de ministros da educação totalmente despreparados e ideológicos que ‘obedecem por que têm juízo’, como faz o general que gere a saúde e está levando o país ao precipício. 

 

Outra questão que tem trazido bastante preocupação às universidades federais diz respeito à nomeação de reitores que encabeçam as listas tríplices e são, algumas vezes, preteridos, em detrimento de outros mais alinhados ao pensamento e ideologia do atual governo. Desde que assumiu o mandato, o presidente Bolsonaro já nomeou 39 novos reitores, dentre os quais 14 não eram os primeiros indicados pela comunidade acadêmica. Mas esse será tema para um próximo artigo. Aguardem.  

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