Por Fabio Kerche
O ex-presidente brasileiro Lula da Silva inicia sua campanha para as eleições de outubro de 2022 buscando ampliar seu apoio além da esquerda – não apenas para vencer a eleição, mas para reconstruir a democracia e criar uma base mais forte para um futuro governo. Liberado dos processos que o afastaram das eleições de 2018 (que levaram o presidente Jair Bolsonaro ao poder), Lula lidera todas as pesquisas por ampla margem e pode até conquistar os 50% dos votos necessários para uma vitória no primeiro turno.
Em segundo lugar, ainda que com alto índice de rejeição dos eleitores nas pesquisas, aparece Bolsonaro. As pesquisas mostram que ele tem apoiadores muito fiéis – o suficiente para sobreviver ao primeiro turno – mas que terá problemas para atrair outros em um segundo turno. Muito abaixo nas pesquisas estão Sergio Moro, o ex-juiz que prendeu Lula em conjunto com o caso Lava Jato e o impediu de concorrer em 2018, e Ciro Gomes, um ex-aliado de Lula que hoje se apresenta de forma variada como de esquerda ou direita.
A situação é tão favorável para Lula que alguns analistas políticos especulam que Bolsonaro, Moro e Gomes, a menos que suas classificações mudem em breve, poderiam retirar suas candidaturas e concorrer ao Congresso. No Brasil, ser congressista garante proteção do Judiciário; membros não podem ser julgados por juízes de primeira instância. Estar fora do cargo pode ser perigoso, especialmente para Bolsonaro, que enfrenta uma avalanche de denúncias de corrupção (junto com seus filhos) e possíveis acusações relacionadas a políticas decorrentes do tratamento do governo da pandemia de COVID.
As ambições de Lula incluem a construção de apoio político em um Congresso tradicionalmente fragmentado entre vários partidos políticos. Sua estratégia é dialogar com todos, desde a direita moderada até aqueles que apoiaram sua prisão por mais de 500 dias e o impeachment de sua sucessora, a presidente Dilma Rousseff.
Ele surpreendeu os apoiadores ao sinalizar que oferecerá a vice-presidência ao ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin, posicionado na centro-direita na política brasileira. Alckmin, que era filiado ao PDSB, partido historicamente contrário ao PT, concorreu à presidência contra Lula em 2006. Observadores acreditam que uma aliança com ele não dá a Lula um impulso significativo – historicamente candidatos à vice-presidência não trazem um número substancial de votos – mas seu simbolismo é forte, sinalizando que uma prioridade é proteger a democracia ameaçada por Bolsonaro. O que está em jogo nessa perspectiva não são as políticas públicas, como em uma campanha política normal, mas a garantia da própria democracia.
O alcance e a ênfase de Lula na construção de um governo de unidade moderado parecem destinados tanto a vencer a eleição quanto a definir um novo tom na política brasileira – deixando sem palavras aqueles que o acusaram de ser radical. Há pouco custo em termos de políticas; a plataforma não é muito diferente do que ele fez em seu governo passado: políticas sociais com moderação na economia. O mercado já está respondendo positivamente e diminuindo sua aversão ao ex-presidente. Lula está tentando lembrá-los de que em seu governo os pobres melhoraram de vida, mas a economia também estava muito bem.
Se Lula se tornar o novo presidente em 2023, como parece provável, ele ainda enfrentará muitas tarefas árduas. O governo Bolsonaro desmantelou muitas políticas públicas sem apresentar alternativas. Os cortes nos orçamentos para saúde, educação, ciência, tecnologia e muito mais reduziram significativamente as capacidades. Além disso, Bolsonaro nomeou chefes não qualificados em órgãos importantes, desorganizando os serviços públicos. A economia está ruim; a inflação voltou (10% no ano passado); e o desemprego é alto (11-13%). O Fundo Monetário Internacional prevê um aumento de 0,3% no PIB em 2022. Lula é lembrado como um grande presidente – saiu com 87% de aprovação – mas não pode fazer milagres. De qualquer forma, Lula parece ser a esperança de tempos melhores para cada vez mais brasileiros.
Fabio Kerche é doutor em Ciência Política pela USP e professor da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO)
Artigo originalmente publicado pelo Centre for Latin American & Latino Studies. American University, Washington, DC em 17 de fevereiro de 2022.
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