Por Walter José Celeste de Oliveira
O governo Bolsonaro é corrupto, negacionista, conspiratório, reacionário e profundamente inepto. Ele é uma bagunça. E os militares são parte disso
O governo Bolsonaro, entre outras coisas, será marcado pela presença dos militares em postos chaves da administração. Mais do que isso, pela demonstração da falta de preparo dos quadros de realizar a tarefa para qual foram designados.
Muitas coisas podem ser tiradas disso, uma delas é o fim do mito de que as FA (Forças Armadas) é um corpo de Estado disciplinado, técnico e patriota, capaz, portanto, de se sobrepor à política, carcomida por práticas inconfessáveis. Incorruptíveis e com profundo amor pelo País, agiriam em prol de todos, em não de interesses próprios, ainda mais porque são técnicos e treinados, competentes, em suma.
É por isso que na esteira da crise do “sistema eleitoral criado pela constituição de 1988 (Sérgio Abranches)”, parte da população apostava na visão idealista e simplista da “intervenção militar constitucional”. Uma exdruxula interpretação do art. 142 da CF (Constituição Federal), que permitia a essa instrução, em defesa da pátria e em nome do povo, atuar como um poder moderador (José Murilo de Carvalho), de forma temporária, “limpar a banda podre da política”, tirar o Brasil da crise, arrumar a casa e devolver o poder aos civis, numa nova ordem, limpa e verdadeiramente democrática.
Os militares tentaram o golpe por diversas vezes na História do Brasil, só falharam uma vez (a própria queda da Monarquia foi um golpe militar). Sempre se insurgiram em nome da democracia (portanto, do povo) e como solução para a crise política, geralmente caracterizada por fortíssima corrupção (os grupos conservadores se apoiam muito na ideia de corrupção porque ela está associada de forma simplista à uma degeneração do homem.
Assim como o crime é decorrência da natureza maligna de alguns seres humanos, a corrupção também. A ocasião faz o ladrão, na verdade ele já está feito, pq é naturalmente mau, e só usa da oportunidade para exercer sua natureza.
Isso não deixa de ser uma contradição: se o crime vem da maldade humana, então da natureza corrompida de ALGUNS SERES, o que garantiria que os militares não teriam em seus quadros alguém maligno? Por que os militares são diferentes em essência dos civis se ambos são humanos?
Só algo garantiria isso, a ideia de que a lógica do todo cria uma moral comprometida com a ordem e com a pátria, eliminando ou relativizando índoles distorcidas. Mas daí a causa do crime tem que ser outro e não a natureza humana…).
No golpe de (19) 64 a luta contra o comunismo, contra a corrupção, em favor da moralização da política e em nome da família esteve presente. Além disso, a ideia de “limpeza” e a adoção de quadros técnicos.
Os elementos que conduziram Bolsonaro ao poder são de índole totalmente autoritária e conservadora e os militares, tanto no passado como agora, são a resposta para q concretização desses ideais porque são a própria encarnação deles. Eles não são apoiadores de Bolsonaro, mas aturam JUNTO; não são cúmplices, mas co-autores da tragédia da politica contra “o COVID”(como diz o Mandetta).
Como foi possível que repetíssemos o mesmo erro? O grande problema é que os militares, ao entrarem para a política, deixam de ser uma instituição de Estado para assumirem compromissos de governo, portanto circunstanciais, diferentes daqueles que estruturam e definem a instituição.
Elio Gaspar é claro em seus livros sobre o período militar ao dizer que Geisel e Golbery articularam o fim da ditadura em nome da restituição das FA. Não só os militares se contaminaram pelo jogo comezinho da política cotidiana, como a prática da tortura desvirtuaram a própria hierarquia que define a lógica militar. Em outras palavras, o governo militar CORROMPEU as FA.
Não adianta dizer que Geisel e Figueiredo morreram pobres, porque o que está em jogo é o TODO, e a palavra corrupção é definido aqui mais do que roubo de dinheiro do Estado mas como desvio de finalidade… O mesmo acontece agora.
Não somente os militares mostraram que são ineficientes, incompetentes, mas que também praticam corrupção. E tratam de agir em nome de seus interesses, ao lutar pela continuidade nos cargos distribuídos fartamente pelo governo (Bolsonaro é um outsider. Não tem vinculo social, nem quadros. Escolheu os militares pela ausência de um corpo partidário forte e de uma visão de Brasil). O ponto culminante foi uma nota de três militares intimidando o trabalho da CPI, que vem solapando o governo, ao demonstrar sua parte de culpa pela morte de 500 mil brasileiros e a corrupção.
O governo Bolsonaro é corrupto, negacionista, conspiratório, reacionário e profundamente inepto. Ele é uma bagunça. E os militares são parte disso. E, além de tudo, parte deles retomam a vocação golpista, ameaçando a CPI.
Quando um general, em NOTA PÚBLICA E ASSINADA, AMEAÇA um parlamentar, ele DE FATO AMEAÇA A TODOS NÓS, porque o parlamento e sua atuação são representativos do povo e da democracia. Não é possível afirmar que os militares como um bloco estão comprometidos com o projeto golpista do presidente.
Os analistas afirmam existir um segmento legalista. Agora que o governo praticamente ACABOU e que se comporta como uma jaca madura esperando um leve esbarrão para cair, resta saber o que há de estratégia ou de desespero nessa nota. A ultima pesquisa DATAFOLHA mostra a perda de base de apoio de Bolsonaro. Será que ele tentará o golpe contando com seu núcleo duro (15%) e com os militares governistas (quantos serão?)?.
A pergunta maior, no entanto, é outra: os MILITARES MAIS UMA VEZ ESCREVERÃO UM CAPÍTULO SINISTRO EM SUA HISTÓRIA AO ATACAR A DEMOCRACIA? Parte da esquerda diz que sim, já que é a tradição (rs). Mais do que isso, vê-se aqui e ali perguntas ainda mais corrosivas, afinal PARA QUE SERVEM OS MILITARES?
Essa questão mostra a difícil situação da instituição que em pouco tempo perdeu radicalmente o seu prestigio perante parte da população. Importante demais que os militares ajam em prol do restabelecimento de suas funções, SAINDO DA POLÍTICA.
Os militares são SIM importantes para o Brasil e exercem atuações humanitárias importantes, alem da função de defesa contra inimigos externos. Acima de tudo, é importante a construção de quadros comprometidos com a democracia, com os direitos humanos e que, principalmente, não se comprometam com os erros do passado.
A narrativa de que lutaram contra o comunismo, que não houve ditadura, mas “ditabranda”, que não houve tortura, que desenvolveram economicamente o País e que naquela época não havia crimes são terríveis para a instituição, porque promove uma visão distorcida dos fatos e do papel das FA na construção do Brasil.
Na verdade, tudo terá que ser reconstruído após a queda de Bolsonaro. Tomara que daqui por diante não esqueçamos o que aconteceu e que essa terrível aventura gere uma verdadeira educação civica para todos nós.
Walter José Celeste de Oliveira é doutorando pelo Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito da faculdade de direito da USP, mestre pelo Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito da faculdade de direito da USP e bacharel em Direito.
Dentre as suas atividades profissionais, é pesquisador no Grupo de Estudos de Lógica Aplicada ao Direito (GELAD) e leciona no curso popular da defensoria pública.