Batidas na lataria: encontros e desencontros no trânsito

Por Beatriz Herkenhoff

Há algum tempo escrevi essa crônica sobre trânsito. Decidi partilhá-la agora porque em tempos tão difíceis precisamos de momentos de descontração e bom humor. Dar uma pausa, respirar fundo, para seguir em frente com ousadia e esperança.

Com a #pandemia, fiquei nove meses com o carro na garagem. E agora (final 2021) saio pouco de carro. Portanto, estou distanciada da realidade do trânsito caótico e agressivo.

Sempre fui muito tranquila no volante. Dirijo sem pressa porque saio com antecedência para os meus compromissos. Não sou estressada com os erros alheios no trânsito (que são muitos). Se um dia buzinei com raiva, hoje evito esse comportamento.

Recordo aqui algo inusitado que aconteceu comigo no passado, no período entre os anos de 2013 e 2016: oito pessoas diferentes bateram no meu carro. Todos sem razão.

Duas colisões aconteceram quando o meu carro estava estacionado e as demais a partir de batidas na traseira. Todos assumiram imediatamente a responsabilidade, pediram desculpas e pagaram o conserto do carro.

Quando isso acontece, eu não desço do carro discutindo ou brigando. O fato de baterem já é um grande estresse, para que ampliá-lo? No final agradecem pela forma educada como lido com a situação.

A estatística dos condutores que colidiram em mim é bem democrática: três jovens entre 18 e 30 anos; três na faixa de 40 anos; dois idosos (mais de 76 anos). Apenas uma mulher, os demais são homens. Claro que é um transtorno quando isso acontece, em alguns casos tive que registrar Boletim de Ocorrência e fiquei especialista nessa área! Em outros, fomos direto para a minha oficina. Feito o orçamento, a pessoa deixa um cheque.

Claro que fiquei popular em minha oficina. Chegava e eles perguntam: De novo? Eu respondia: É, de novo. O chato é que sempre ficava pelo menos uma semana sem carro. O bom é que mudava minha rotina, andava mais a pé, pegava ônibus, táxi (naquela época ainda não existia Uber). Tinha a oportunidade de observar o cotidiano com novo olhar.

Como sou uma pessoa de fé, eu fazia orações de proteção para o meu carro. Às vezes pensava: se tem alguém jogando energia negativa para mim, tenho o corpo bem protegido, então a energia vai para o carro, a lataria aguenta.

Incidentes como esses permitem um bom conhecimento da personalidade e dos relacionamentos das pessoas. E nesse sentido, eu tive três experiências inusitadas.

A primeira foi com um jovem que tinha acabado de tirar a carteira de motorista. Fiquei tão sensibilizada com o nervosismo dele que quase coloquei-o em meu colo. Quando chegamos à oficina, o pai, a mãe e a irmã chegaram juntos, fiquei até emocionada com o carinho, o apoio e a atenção deles para com o jovem. Claro que minimizei o acontecido e estabelecemos um vínculo bem legal.

A segunda vez foi um jovem que bateu em meu carro que estava estacionado. Eu tinha ido à casa de amigos e quando desci, passando de meia noite, vi o estrago. Não conseguia imaginar como tinham conseguido bater daquele jeito em meu carro. Fui dormir chateada, no dia seguinte quando pego o carro para sair, percebo um bilhete pedindo desculpas e com o telefone de contato.

Fiquei encantada com a honestidade. Fiz o orçamento, o jovem morava no interior, voltou em Vitória para dar os cheques e convidei-o para um café. Contou que estavam em cinco amigos, escolheram um para não beber e dirigir, mas, o cara não tinha experiência em carro automático e deu partida ao invés de dar ré. Os amigos disseram que dividiriam o prejuízo, mas, deixaram o rapaz sozinho na hora do pagamento. O prejuízo foi grande. Em nenhum momento ele discutiu o valor, só pediu para parcelar. Durante o nosso café, disse que estava com a consciência tranquila por ter assumido a responsabilidade por seus atos. Ficaria uns cinco meses apertado financeiramente, mas, feliz consigo mesmo. Um exemplo de ser humano ético e responsável.

O último acontecimento foi o oposto dos exemplos acima. Um senhor de uns 76 anos bateu em meu carro estacionado. Disse que não precisava fazer BO, que iria pagar. No primeiro contato, já percebi uma prepotência.

Fiz o orçamento, deu perda total da porta esquerda. Nesse momento ele foi grosso. Disse que o pessoal da oficina queria explorá-lo porque identificaram que ele era gerente de uma empresa conhecida. Mas, que ele não era rico, que ia fazer orçamento em outra oficina. De todos que bateram em meu carro, esse era o que tinha melhores condições financeiras, mas o que criou mais confusão. Nos diálogos e negociações demonstrou ter um caráter irascível. E eu tinha ficado duas horas na oficina, pois, o orçamento na concessionária deu R$ 4000,00 e eu aceitei verem porta no mercado paralelo, quando o orçamento caiu para R$ 2000,00. Mesmo assim ele queria chorar, pedir descontos, com uma atitude bem machista. E tudo com muita irritação e agressividade. Passei a bola para o mecânico e caí fora. Gente com energia negativa, quero longe!

O trânsito voltou ao normal, será que os motoristas estão mais calmos, respeitosos e serenos ou as questões emocionais geradas pela pandemia irão manifestar-se com maior intensidade?

Desejo que nunca mais ninguém bata em meu carro, a não ser se for um homem da minha idade, solteiro, gentil e disponível… kkkkk…

 

Beatriz Herkenhoff é  doutora em serviço social pela PUC São Paulo. Professora aposentada da UFES (Universidade Federal do Espírito Santo).

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