Por Sonia Castro Lopes
Resisti em escrever sobre a morte de Arnaldo Jabor. Na verdade, a notícia não me suscitou qualquer sentimento. Fiquei insensível, indiferente até, como se ele já tivesse partido há um bom tempo. Entretanto, ao ler as homenagens prestadas ao cineasta nas mídias, comecei a sentir certo incômodo. Afinal, por que razão eu já havia decretado, antecipadamente, a morte desse cidadão?
Voltei aos anos 80 e lembrei de dois filmes assinados por Jabor – Eu te amo (1981) e Eu sei que vou te amar (1986). Bons filmes, nada de mais. Forçando um pouco a memória lembrei também do premiado Toda nudez será castigada, releitura da obra genial de Nelson Rodrigues, lançado em 1973, mas que só assisti tempos depois com olhar mediado por comentários de críticos especializados. O mesmo aconteceu com Tudo bem, de 1978. Esses são os meus preferidos. Em Toda nudez… há uma crítica inteligente à moral hipócrita da burguesia enquanto a classe média com seus equívocos e contradições é ironicamente representada em Tudo bem. Advirto que não sou cinéfila, portanto, meus comentários são de uma pessoa comum que tem apenas apreço pela sétima arte.
Diante da minha insensibilidade frente à morte do cineasta, recebi críticas de amigos: “É o teu petismo que não deixa ver as grandes qualidades intelectuais do Jabor! Sim, ele é polêmico, mas quem de nós não apresenta ambiguidades?” Admito que também tenho minhas incoerências, mas quando se trata de uma figura pública, um formador de opinião, as palavras e as ações têm um peso bem maior. E ouvi mais: “Se você acha Nelson (Rodrigues) genial, por que essa birra com Jabor? Respondo que por ser historiadora tenho cuidado de não cometer o que chamamos de anacronismo e, por isso, consigo entender Nelson como um homem de sua época, mas Jabor, afinal de contas, é um sujeito do meu tempo…
Não sei a partir de quando, mas comecei a me distanciar aos poucos dos escritos e falas de Arnaldo Jabor. Estranhava cada vez mais sua postura, seus comentários reacionários até que um dia uma pessoa da família (que agora se tornou uma empedernida bolsonarista) – típica representante daquela classe média que Jabor criticara com tanta veemência -, me aconselhou a ler as colunas do Jabor, em sua opinião, “excelentes.” Aí não teve jeito, cancelei Jabor de vez, apesar de Toda Nudez, apesar de Tudo bem, apesar de todos os pesares.
Ao ler os comentários nos posts que noticiavam sua morte (quase todos positivos) não me animei a curtir. Algumas vezes senti vontade de me manifestar por meio dos comentários, mas, quando o fiz, foi com pouca convicção. Até que topei com um texto publicado pelo escritor e crítico de cinema Pablo Villaça, fundador do site mais antigo do gênero: Cinema em cena. Por me sentir representada, transcrevo aqui seu post declarando minha concordância com as palavras desse “amigo” virtual. Vale a pena ler…
” Passei o dia pensando em como falar sobre a morte de Arnaldo Jabor. A questão é que procuro sempre expressar o que sinto e penso da maneira mais transparente possível – algo que creio dever aos leitores -, mas às vezes isto se torna complicado quando há sentimentos tão ambivalentes.
Acho que meu problema com Jabor é uma questão de timing: quando comecei a me desenvolver como cinéfilo, na pré-adolescência, ele iniciou um hiato como cineasta que duraria mais de 20 anos. Com isso, o Jabor que inicialmente conheci não era o artista, mas o comentarista político – e esta sua versão, embora articulada (mesmo com todas as hipérboles e muletas retóricas), era a figura de um sujeito politicamente conservador que frequentemente apresentava um ranço pela esquerda que sempre me irritou. Eu geralmente terminava de ouvi-lo sentindo ódio. Talvez por esta razão ele tenha sido, arrisco dizer, o último representante importante associado de alguma forma ao Cinema Novo cujos filmes assisti – e mesmo sabendo por leituras que sua obra contrastava com seus posicionamentos posteriores, me surpreendi positivamente com esta.
Claro que para os padrões de hoje, em que a direita brasileira virou uma sucursal do nazismo, as posições de Jabor parecem inofensivas; porém, como a História se desenvolve em passos, não em saltos, a (re)radicalização desta direita pós-ditadura passou justamente por este ranço pela esquerda fomentado por comentaristas neoliberais como Jabor. Assim, minha antipatia por ele se manteve até o fim; talvez se eu primeiramente tivesse conhecido sua obra nos anos 70 e 80 minha relação com seu trabalho fosse diferente.
Como falei, uma questão de timing; eu tinha exatamente a idade errada para que isto ocorresse.
Por sorte, o Artista tende a resistir bem melhor à passagem do tempo do que o comentarista político; assim, é provável que em mais alguns anos o nome de Jabor volte a ser associado exclusivamente ao que criou como cineasta.
Torço por isso, de coração.” (Pablo Villaça)
Pelas referências citadas, concluo que o autor deva pertencer a uma geração mais jovem. Entendo o descompasso. Quanto a mim, mesmo tendo conhecido o Jabor dos anos 70-80, sou de opinião que ele não precisava ter manchado sua biografia com seus comentários políticos, no mínimo, equivocados. Mas, tudo bem… Ao ler o texto de Pablo, consegui me perdoar.
Descanse em paz, Arnaldo Jabor!