Por Simão Zygband
Admiro a valentia do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, um nordestino que mostra a força não apenas dos brasileiros que nasceram no Nordeste, mas também daquela massa de trabalhadores que não se deixa enganar pelo canto da sereia do fascismo e pela falsa ilusão da ascensão social fácil, que norteia o voto conservador.
Há muitos anos me considero uma pessoa de esquerda, um caminho muito mais árduo para quem vive no regime capitalista, tendo estudado tudo o que tive paciência de estudar sobre as teorias marxistas, revoluções industrial e socialistas (russa, cubana, chinesa, africanas etc), nazismo (como filho de sobrevivente deste regime cruel) e, claro, na universidade, textos do pensamento liberal. Mudei um pouco as ideias que tinha sobre a luta popular.
Posso dizer que vi também muitos filmes que abordam esta questão filosófica, como o que retrata a odisseia do revolucionário Ernesto Che Guevara, cuja morte completou ontem, 8 de outubro, 55 anos de sua captura e execução na Bolívia.
Quando jovem, acreditava que a classe trabalhadora era somente vítima de um sistema massacrante e opressivo como o capitalismo, que a falta de consciência de classe lhe era impiedoso, que ele era explorado sem saber que era peça descartável da engrenagem capitalista. Que a hora que este trabalhador padecia de fadiga, velhice ou doença, era facilmente trocado por outra mais nova e produtiva. A minha concepção era totalmente paternalista e que os pobres eram “coitadinhos” que precisavam ser defendidos das garras dos sanguessugas do mercado. Era a mentalidade da esquerda tradicional.
Mas esta teoria do pobre somente oprimido não estava fechando. A classe pobre, quando não conscientizada, não é somente uma vítima do sistema capitalista cruel, mas, muitas vezes, é agente do seu próprio infortúnio. É muito difícil para atuantes na esquerda como eu ver alguns trabalhadores atuarem contra si e apoiando seus opressores. São apenas enganados pela máquina de propaganda e pela engrenagem do capitalismo?
Tenho lá minhas dúvidas. Assisti maravilhado dois filme: Che e Che 2, a guerrilha, estrelado magistralmente pelo ator Guilherme de Toro, duas obras primas, sendo o primeiro muito mais apaixonante, pois retrata a revolução cubana e a tomada de Santa Clara pelo exército de Fidel Castro, uma das principais e mais importantes cidades de Cuba e o início da queda da ditadura de Fulgencio Batista (você sabia que a música Santa Clara Clareou, de Jorge Ben Jor, foi feita exatamente em homenagem a esta vitória da revolução cubana?).
Já Che 2 é tão exuberante quanto o primeiro da odisseia, mas muito triste, pois relata exatamente a captura e o assassinato de Che Guevara. É portanto, a história de uma derrota, dura de engolir. Em uma passagem deste segundo filme, dois bolivianos que estavam alistados nas tropas guevaristas, cansados da vida difícil que era fazer a guerrilha na Bolívia, em condições adversas de alimentação e preparo físico, cujas batalhas eram travadas em terreno inóspito, decidem desertar da luta.
Na cena da deserção, um deles pega o fuzil que lhe havia sido entregue por Che Guevara e o joga no mato. O outro lhe fala: “Não. Leve ele com você. Vamos vendê-lo em La Paz”. Aquilo ficou marcado na minha memória, mas passou despercebido para muita gente. Por falta de absoluta consciência política e de classes, eles decidem fazer dinheiro com as armas da revolução boliviana. Justamente eles oriundos das classes mais pobres do país e ligados ao Partido Comunista da Bolívia. Eles já haviam cometido outras insubordinações atuando nas tropas guerrilheiras. Haviam saqueado uma fazenda e estuprado uma jovem camponesa, falando em nome do exército de Che Guevara.
Lógico que quando capturados, não lhes tiveram perdão. Che mandou fuzilá-los. Tudo isso consta do famoso O diário de Che Guevara, que deve ser lido por todos que tiverem interesse. O indispensável livro certamente norteou o roteiro dos filmes.
Bem. Como disse, a classe operária não é apenas vítima, mas é também agente de sua própria condição. Não procura se conscientizar e refletir sobre sua realidade. Ela, muitas vezes, atua sordidamente, como agiram os dois guerrilheiros bolivianos desertores, que traíram a luta revolucionária em seu país para vender no mercado as armas da revolução, além de, obviamente, cometer crimes por seus desvios ideológicos e de caráter.
Ao votar em Bolsonaro contra Lula, os brasileiros mais pobres (a maioria, nesta eleição, é verdade, principalmente do Nordeste, votou no petista), sobretudo os de classe média baixa das grandes cidades (estes sim, mais bolsonaristas), também agem como traidores da causa popular, não conseguindo dar valor à pequena ascensão social que tiveram no governo do PT e destinando seu voto para os fascistas. Se supõem ricos, apesar de serem pobres. Não querem se identificar como tal. Tem aspirações utópicas de também pertencerem à classe dominante, mas não sabem que isso é apenas um sonho de verão. Dificilmente sairão da sua condição de pobreza optando por soluções individuais. Os oprimidos, assim, acabam fazendo o jogo do opressor, pensando apenas em se tornar um deles, e não entrar na luta coletiva pela igualdade social e democracia.
Lula merece todo o nosso respeito e consideração. Não mudou de lado desde que deixou sua cidade natal em Garanhuns, em Pernambuco, para vencer a pobreza e se tornar presidente da República do Brasil. Aceita o desafio atual com muita bravura e determinação. Poderia muito bem ficar no sossego, usufruindo já de uma vida confortável ao lado da sua jovem esposa, Janja. Ele tem sensibilidade e consciência de classe, sabe o papel que representa e não quer ver seu povo sofrer ainda mais na mão de um governante cruel e desalmado como é Bolsonaro.
Isso também aconteceu com Che Guevara, em algum momento da história. Preferiu ir fazer a revolução na Bolívia, quando poderia ter ficado sossegado em Cuba exercendo o cargo de presidente do Banco Nacional e Ministro da Indústria cubana, que lhes foram conferidos por Fidel.
Vamos lutar para eleger Lula presidente. Ele merece!