Por Larissa Morais
Terminei de ver o filme “Argentina, 1985” com uma ponta de inveja dos nossos hermanos. Explico: o filme, estrelado por meu ídolo Ricardo Darín, conta a história do julgamento pelos crimes cometidos pela junta militar que governou a Argentina entre 1976 a 1983. Como o julgamento militar não andou, o presidente Raúl Alfonsín determinou a realização de um julgamento civil, apesar da tensão política que a decisão envolvia.
Lá, a lista de mortos ou desaparecidos pelo regime militar chegou a 30 mil pessoas – número não por acaso idêntico ao que Bolsonaro afirmou que deveria ter sido extirpado da população brasileira na ditadura daqui. Como no Brasil, pessoas de esquerda consideradas suspeitas de subversão passaram por sequestros, torturas, estupros e assassinatos.
Volto ao filme. Em meio a ameaças e pressões de toda ordem, o promotor Julio Strassera e sua jovem e inexperiente equipe trabalhou em tempo recorde para levar provas e depoimentos contundentes ao julgamento.
A sociedade argentina, como a brasileira na mesma época, tinha muita gente que apoiava os militares ou achava que a ditadura havia sido uma espécie de mal necessário. Havia também quem duvidasse dos crimes cometidos ou simplesmente os minimizasse.
Os depoimentos detalhados de torturados e familiares de desaparecidos nos cerca de 500 dias de julgamento acompanhados de perto pela imprensa esfregaram dolorosamente a verdade na cara da sociedade.
Num dos mais tocantes, uma mulher conta que deu à luz sem assistência, com a mãos amarradas, e só pode segurar a filha depois de fazer uma faxina pesada no mesmo dia do parto.
Dezenas de relatos expuseram a crueldade das torturas e a conivência das autoridades. Quem tinha um pingo de empatia no coração, entendeu que aqueles atos haviam ultrapassado todos os limites morais, e que era necessário punir os responsáveis.
No discurso final da promotoria, Strassera justificou a opção do país por não jogar para debaixo do tapete a sujeita deixada pela ditadura: “Senhores juízes, quero utilizar uma frase que não me pertence, porque pertence a todo o povo argentino. Senhores juízes: nunca mais”.
Mal dormi esta noite de tão impactada. Se em vez da Lei da Anistia, de 1979, tivéssemos tido algo parecido, um tribunal que expusesse claramente os crimes da ditadura brasileira e punisse os responsáveis, será que tanta gente teria coragem de declarar saudades da época dos generais?
Será que tanta gente naturalizaria os ataques que Bolsonaro faz às nossas instituições democráticas? Se houvesse por aqui mais conhecimento sobre a história brasileira e a memória da ditadura, será que teríamos entrado no buraco deste governo?
Será que a população estaria tão dividida, admitindo atos e discursos que deveriam ser inadmissíveis? Será que o negacionismo chegaria onde chegou?
Quem eu mais gostaria que lesse isso, provavelmente não chegará ao final. Talvez nem mesmo inicie a leitura, por falta de interesse por filme que não seja americano. Fica ao menos o desabafo.
Larissa Morais é professora e jornalista
Obs: acessível no Amazon Prime