Construir Resistência
Foto: Arquivo Pessoal

Amor Perfeito

Miriam Waidenfeld Chaves

 

Luar: solteira, 44 anos, morena, olhos verdes. Arquiteta, dois noivados desfeitos. Busca: amizade e/ou namoro.

Sherlock: casado, 55 anos, moreno, olhos castanhos. Engenheiro. Busca: sexo.

Apesar dos perfis incompatíveis, Sandra e Juca acabaram por se esbarrar na imensidão azul da tela do site de relacionamentos Amor Perfeito.

Tudo começou num sábado chuvoso nos idos de 1999, quando esse tipo de iniciativa bombava entre os cariocas desejosos em sacudir sua vida amorosa.

Sandra, com uma taça de vinho, confere na tela azul os possíveis pretendentes. Um deles, com um apelido sugestivo, chama sua atenção. Riu muito ao ler sua mensagem. Achou Sherlock espirituoso e inteligente. Mas quando acessou seu perfil, seu entusiasmo se esvaneceu em segundos: casado, queria saber apenas de sexo e, ainda por cima, era um pouco gordinho.

Entretanto, instigada pelo texto do aspirante a amigo, resolveu ignorar as informações e respondeu a mensagem no mesmo tom. Imediatamente, Sherlock a convidou para um bate papo.

Convite aceito, em instantes as teclas dos computadores dispararam numa sintonia total. E a conversa só foi acabar no dia seguinte, com o sol brilhando e já sem nenhum sinal da chuva.

Ambos caíram na armadilha do acaso. Capturados pela rapidez de raciocínio, ironia fina e texto inteligente, carregado de ambiguidade, Sandra e Juca se tornaram dependentes desse jogo, cujas peças denominamos de “mensagens” e “tecladas noturnas”.

Nenhum dos dois demonstrava pressa em passar para outro estágio da brincadeira: conversas ao telefone ou algum convite para jantar. Tinham todo o tempo do mundo!

Rendidos por esse duelo virtual, após três meses, decidiram avançar no jogo: passaram a se falar ao telefone.

Escutar a voz um do outro foi outra cartada certeira. Apenas confirmou o já sabido: a voz límpida e mansa de Sandra encantou Juca, e sua rouquidão doce  animou ainda mais Sandra, que daquele momento em diante esqueceu-se do estado civil e dos quilinhos a mais desse sujeito que estava se tornando um perigoso pretendente.

Dos telefonemas ao primeiro encontro foi um pulo: assistiram “Le Bonheur”, de Agnès Varda, na sessão das 14 horas, no Paissandu. Ambos adoravam o cinema francês.

Nessa mesma tarde, não mais que de repente, Juca e Sandra tornaram-se amantes. Amantes anticonvencionais. E como nos filmes da Nouvelle Vague, viveram uma paixão desenfreada. Sem culpas!  Como se uma febre terçã tivesse se alojado em seus corpos.

Na entrada do ano 2000, fizeram malabarismos para fugir. Juca, de sua mulher e Sandra, de seu recentíssimo namorado, amigo de Claudia, sua prima.

Escolheram como destino uma ilha ao sul do Chile, chamada Chiloé. Paradisíaca e sem turistas. Apenas o colorido das palafitas erguidas sobre o azul do mar, o verde dos carvalhos e o negro das pedras em Muelle de las Almas testemunharam aqueles dias de escancarada felicidade.

Não eram infelizes com seus parceiros. Com eles apenas repetiam o sorriso pontual cotidiano. Divertiam-se de modo comportado. Previsível. No entanto, ao conhecerem o amor perfeito, não o descartaram. Ao contrário, passaram a vivê-lo sem constrangimentos. Sem cabresto, mas com um  prazo de  validade já pré-determinado.

Após um ano e seis meses juntos, a fatalidade lhes prega uma cilada e proclama o fim desse caso de amor. Quando as obras dirigidas pela firma onde Juca trabalhava precisaram de sua expertise sobre solos argilosos, de um dia para o outro estava em Küste, à beira do rio Nilo, no Sudão.

O que era para levar 20 dias durou quase três meses. E os horrores da guerra naquele país tornaram Juca triste e taciturno. Apenas sonhava com o  aconchego do lar e o carinho dos filhos.

De volta ao Rio de Janeiro, Juca organiza um encontro quase perfeito. Reserva uma suíte no Copacabana Palace, com direito a champanhe Veuve Clicquot e jantar no quarto. Mas, já despidos, Sandra não reconhece Juca, agora mais magro e acabrunhado. Sem vida.

Ela o toma nos braços e o deixa chorar copiosamente.

 

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