Por Luiz Hespanha
Ainda que o amor à camisa tenha sido trocado pela paixão instantaneamente eterna e fulminante provocada pelo tesão inigualável dos patrocinadores.
Ainda que narradores e comentaristas insistam em bordões insípidos ao mesmo tempo em que são atropelados pela estupidez ululante do óbvio que o silêncio e o respeito ao esporte, olhos e ouvidos do torcedor merecem.
Ainda que movimentos de pés, cabeças, pernas, mãos e troncos tenham perdido em criatividade e visibilidade para a profusão de penteados, brincos, tatuagens, quedas, minas, poses e parças, fundamentais para uma boa exibição nos campos dos cliques e selfies.
Ainda que os movimentos de pés, cabeças, pernas, mãos e troncos femininos não tenham o respeito, o salário e o aplauso merecidos.
Ainda que a numeração de 1 a 11 não signifique mais nada dentro ou fora das quatro linhas.
Ainda que o medo e a violência frequentem sem pudor estádios e entornos.
Ainda que o amarelo canarinho tenha sido cooptado e desmoralizado pelos seguidores do Jim Jones do Vivendas da Barra e pelos cristãos do Whatsapp e seus templos, arcas, quartéis e cálices da corrupção seletiva.
Ainda que a outrora pátria de chuteiras tenha sido transformada em capitania da estupidez, da imbecilidade e da inteligência rasteira.
Ainda que o VAR tenha transformado a emoção e o debate provocados pelos erros imprevisíveis num tedioso e sonolento suspense afugentando dos gramados figuras como o Sobrenatural de Almeida e o Imponderável de Souza.
…Ainda assim, a paixão pelo futebol pulsa forte na alma brasileira, nos ecos dos estádios, sofás e botecos; no silêncio raro da várzea que sobrevive lado a lado, praticamente uma dentro da outra. Como esta foto que fiz na localidade chamada Sucruiú, nas margens do Rio de Ondas, o mais belo rio da minha aldeia, no oeste baiano.
Luiz Hespanha é jornalista, escritor e compositor de música popular que defende a aposentadoria compulsória do Neymar do futebol e sua estreia como astro de Malhação interpretando o papel do Tio Sukita de Chuteiras. O texto e a foto fazem parte do livro #históriasqueosolhosnão inventam / #impressõesquaseportáteis a ser lançado.