Alfarrábios

Por Virgílio Almansur

Fui ler um pouquinho de Constitucional. Às correspondências processuais encontrei dificuldades. Mas lá estava o velho e bom Kelsen e sua Teoria Pura do Direito.

Pudera… Meu intuito, muito mais sonhador e tão somente teórico (nunca coloquei a barriga no balcão…), encontrou uma dinâmica, própria do processo, aquela determinação do estudo do Direito em movimento.

Kelsen nos traz com maestria a noção de uma norma fundante: a Norma Fundamental. Esta requer nossos cuidados, principalmente com o fito de dar seguimento aos padrões de “pureza” que o autor preceitua no constitucionalismo.

Constitucionalismo não nos confere, sob os “ismos”, nada além do que está implícito na constituição-composição normativa.

Através de duas efemérides libertárias (americana e francesa), o desenvolvimento do termo chega ao que entendemos por constituição. Claro está que sua origem advém de uma “revolução”, um movimento político-social com atributos jurídicos que vão se insurgir ao absolutismo estatal.

Daí inferirmos, em sentido amplo, como um movimento intelectual. Sua tendência será valorizar o movimento e criação constituintes, sob visão formal latu sensu, mas que, estritamente, gerará garantia de direitos na própria limitação do poder estatal.

Não por acaso, surge o controle da constitucionalidade, uma espécie quase rígida de supremacia jurídica necessária ao controle maior que estará no vértice do sistema.

Voltando a Hans Kelsen, no seu embate com Carl Schmitt — quando este propôs as bases constitucionais nazista e advogou como guardião da carta o chefe do executivo —, aquele grande humanista entendia que algo não poderia fugir do âmbito jurisdicional. Combateu Schmitt!

Para tanto, compreendia e entendia a admissão de algo além de… Algo que estivesse acima das normas postas e que tivesse lógica própria. Admitida como NORMA FUNDAMENTAL (hipotética), responde sob lógica propriamente jurídica não posta, não positivada.

A CF/88 apresenta sentido jurídico-positivo, posto e codificado — daí a “norma constitucional propriamente dita”. Interessante que, fruto de juristas com pés no início do século XX, a carta não esconde viés dos arroubos schmittianos e gera sim muitas controvérsias.

Fiquei a pensar, neste fim de semana, como o supremo interpretará aquela que continua sob sua guarda. Pinçando nas próprias demandas constitucionais, quem pode mais pode menos, e, se é dada à vontade do executivo manifestar-se em contraposição a uma ordem constituída, esteja esta sob inspiração penal e como cumpridora de norma vigente e cogente, como impedir o “supremo” do supremo?

Na prática, o direito se mistura às constituições banais do social, carrega certa impureza e requer aplicadores. Foge da noção que Kelsen quer dar à pureza que a Ciência exige. Como é fácil teorizar sabendo que a teoria na prática é outra…

A tão propalada pureza que Kelsen advoga é da “Ciência do Direito”! Essa pureza não é do direito mas sim do que se descreve, do descritivismo ulterior enquanto ciência que apareceria, pela linguística, em meados dos XX.

Portanto, para Kelsen, a aplicação direta e concreta do direito é um ato de política que envolve ideologia e moralidade adstritas à discricionariedade de vontade, enquanto à ciência do direito é imperiosa a clareza (pureza?) de seu objeto, validade que “aprova” toda e qualquer norma.

Kelsen busca o âmago do direito, seu conhecimento jurídico num patamar piramidal, onde se espera que toda norma encontre validação.

A norma jurídica é válida, pois, quando uma, hierarquicamente superior de todo o sistema, confere validade a ela. Sabemos que todo pré-questionamento aponta à Constituição para que dela surja a validade às chamadas normas infra-constitucionais.

À norma fundamental cabe fechar todo o sistema! Para esse mister, cabe certa metafísica doutrinária que irá conceber, no limite, a concepção fundante-fundamental!

Norma “justa” ou “injusta” não é pensada na Teoria Pura do Direito e sim se “válida” ou “inválida”. Com isso, recai sobre o aplicador, algo que o faz — se se inspirar teoricamente — abstrair da concretude. A teoria servirá como “isolante” (quase uma vacina) à normatividade; e impedirá seu contágio do vírus fático. Não é simples.

Ora! É nessa seara que os tribunais superiores visam, como objeto, aquilo que não está mais no mérito… O entendimento da cadeia lógica de um ordenamento deve exaurir-se, técnico-conceitual-teoricamente, para não solapar-se infinitamente. Também não é simples…

É imensa a responsabilidade de nosso STF. Sua composição nestes últimos anos deu-nos flagrantes mostras de contaminação, surpreendendo a massa crítica de juristas do mundo todo.

Temo por algumas inconveniências… Todos ali fazem xixi e cocô… São mortais como o “soberano” dos soberanos, que faz tudo e ainda arrota aos mesmos mortais…

 

Virgílio Almansur é médico, advogado e escritor.

 

Contribuição para o Construir Resistência ->

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *