Por Hermógenes Saviane Filho
O filme iraniano “Crônicas do Irã”, de 2023, é um misto de Kafka e Camus. Ao longo de seus 77 minutos, vamos assistindo situações que ocorrem em todos os lugares do mundo e, com certeza, eu, você, nós já passamos por, pelo menos, uma.
Os diretores Ali Asgari e Alirza Khatami nos apresentam esquetes em que as experiências são tão desnecessariamente complicadas e frustrantes, como no mundo kafkiano, quanto a revolta camusiana pelo absurdo a que cada cena nos apresenta.
E não são apenas os burocratas do serviço público, como Kafka escrevia em sua obra, que se arvora no direito de determinar que o nome do filho de alguém não pode ser o que os pais desejam ou da mulher que não pode ficar com o rosto descoberto em seu carro; mas, também, na esfera privada em que a moça é assediada na entrevista ou a de um senhor que é humilhado noutra.
E não tomem como se aquilo fosse algo de um lugar em que não há liberdade, que há um sectarismo religioso…e que no Ocidente é diferente. Não, isto ocorre em todo o tempo e lugar. Não a toa, a cena final é simbólica visual e sonora.
Um filme imprescindível para refletir o mundo que criamos a não ser que se deseje continuar vivendo em Nárnia.
Hermógenes Saviane Filho é professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul