Ainda há tempo de aprender com os erros do passado e corrigi-los?

Por Claudio Camargo

A frase do filósofo espanhol George Santayana (“aqueles que não conseguem lembrar o passado estão condenados a repeti-lo”), que de tão surrada virou slogan, pode ser entendida como o avesso otimista do ceticismo de Karl Marx no “Dezoito Brumário de Luís Bonaparte”: “a tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos”. País desmemoriado, o Brasil aprende muito pouco, quase nada, com a própria história, com as gerações mortas e com história mundial.

Com os últimos acontecimentos de Pindorama, um episódio da Alemanha de Weimar me veio à mente: o Putsch Kapp-Lüttwitz, de 1920. Recém-saída da I Guerra Mundial e de uma revolução que derrubou a monarquia Hohenzollern, a Alemanha levou ao poder uma coalizão moderada liderada pelo Partido Social-Democrata (SPD), que foi obrigada a aceitar as pesadas sanções que a França e a Grã-Bretanha, vencedoras do conflito, impuseram aos herdeiros do Reich por meio do Tratado de Versalhes (1919). Uma delas foi a exigência da eliminação dos Freikorps (grupos paramilitares ligados às Forças Armadas), que inclusive ajudaram o governo do SPD a reprimir insurreições da extrema esquerda em 1918-1919.

A dissolução de dois desses grupos, a Marinebrigade Loewenfeld e a Marinebrigade Ehrhardt, provocou uma tentativa de golpe civil-militar. Comandada pelo capitão de corveta Hermann Ehrhardt, a Marinebrigade Ehrhardt havia participado de várias ações de repressão às tentativas de revoluções bolchevistas e se recusou ser dissolvida. Teve a adesão do general Walther von Lüttwitz, comandante da Reichswehr (Exército imperial) em Berlim, a quem diversos Freikorps estavam subordinados.

O líder intelectual do golpe, Wolfgang Kapp, era um extremista de direita nacionalista e um dos principais defensores da ideia da “punhalada pelas costas”, que dizia que o Reichsheer não havia perdido a guerra, mas sim que a Alemanha fora traída por políticos social-democratas e judeus, que derrubaram a monarquia e assinaram a rendição aos aliados. Kapp era um deputado monarquista do Reichstag (Parlamento) eleito pelo Deutschnationale Volkspartei (DNVP, Partido Popular Nacional Alemão).

O general Lüttwitz exigiu o comando do Exército, a dissolução do governo, novas eleições para o Reichstag, além da revogação das ordens para dissolução dos Freikorps. O governo rejeitou as exigências e, em 13 de março, a Marinebrigade Ehrhardt ocupou prédios governamentais em Berlim. O governo determinou que o Exército resistisse ao golpe, mas os comandantes se recusaram; um deles disse que suas tropas não iriam atirar contra os camaradas com os quais lutaram contra um inimigo comum.

A maioria dos comandantes do Exército, o comando da Armada e a polícia reconheceram o governo provisório. Além disso, boa parte do aparato burocrata era reacionário, moldado pela monarquia e por Bismarck, e se alinhou com os golpistas. Parecia que que o putsch tinha sido um sucesso.

Acuado, o governo foi obrigado a fugir para Dresden e depois para Sttugart, de onde convocou uma greve geral contra o golpe. Como a base social do SPD eram os sindicados, o movimento atingiu enormes proporções, mobilizando 12 milhões de trabalhadores, interrompendo o fornecimento de gás, água e energia e paralisando o governo golpista.

Assim, pela ação dos trabalhadores organizados, os insurretos direitistas foram derrotados, mas o governo de Weimar anistiou os líderes do golpe (Lüttwitz foi aposentado com pensão integral). O novo comandante do Reichswehr, general Hans von Seeckt, era quem havia dito que as tropas alemãs não iriam disparar contra seus camaradas de Freikrops. Durante os julgamentos dos crimes ocorridos no putsch, apenas um réu foi punido nos mais de 700 processos abertos contra os golpistas.

Três anos depois, houve o “Putsch da Cervejaria” em Munique. Seu mentor e líder, o ex-cabo austríaco Adolf Hitler, líder do Partido Nazista, ficou menos de um ano na prisão. O resto da história é conhecido.

No Brasil, autores de tentativas de golpes (em 1955, 1956, 1959 e 1961) foram anistiados ou sequer levados a julgamento. Golpistas, torturadores e assassinos da ditadura de 1964, idem. Terroristas do Exército que orquestraram o Riocentro (1981) jamais foram julgados.

Temos uma chance agora de tornar a democracia segura punindo os terroristas bolsonaristas – principalmente os chefes, não só a arraia miúda.

Mas será que daremos esse passo?

Claudio Camargo é jornalista, diretor da agência Ex-Libris e ex-editor de Brasil da IstoÉ e da editoria Internacional da Folha de S.Paulo.

 

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