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Ainda há interesse em ser professor no Brasil?

Por Fábio Souza Lima

É muito difícil definir o quanto ganha um professor no Brasil, embora, de maneira geral, todos comunguem da ideia de que os professores são mal remunerados. Porém, definir qual é o salário desse profissional demanda conhecer uma relação específica: quanto ele ganha por hora de aula lecionada. Mas não é tão simples como qualquer trabalhador. Afinal, como andam dizendo por aí, acreditar que o professor só trabalha quando dá aula é o mesmo que acreditar que um atleta só corre quando vale medalha.

Seria, portanto, necessário incluir nesse cálculo quanto tempo esse profissional precisa para estudar e planejar cada aula, além do tempo destinado no pós-sala de aula para a correção de provas, trabalhos e refazer o seu planejamento pensando nas próximas aulas. Além disso, é preciso contabilizar as horas em que exposições, cinemas, teatros, outras visitações e leituras também servem como estudo ou preparação para o trabalho. Trata-se de uma profissão que exige treinos diários para que seja possível correr para a medalha (mesmo que os vizinhos e alguns membros da família olhem para esse profissional e digam que eles passam a maior parte do tempo em casa “sem fazer nada”).

De toda forma, existem estudos que apontam que esses profissionais recebem salários 30% menores entre os que têm ensino superior, confirmando a noção geral de que professores são desvalorizados no Brasil. Nessa situação, existem trabalhadores que possuem contratos privados ou matrículas públicas de 16 horas, 20 horas, 40 ou 44 horas, entre outras cargas horárias. Sem falar nos docentes “uberizados” por aplicativos, cujos donos afirmam de pés juntos que o intuito é ajudar a dirimir a questão do desemprego entre os profissionais de ensino. Na prática, a chamada por um uber-docente garante salários ainda mais baixos, falta de contratos, ausência de laços de afetividade e pertencimento, negligência na proteção social e jurídica e alguém absolutamente desconhecido a lecionar saberes ao seu filho.

Mas, se os salários são baixos e a estrutura é tão ruim, porque ainda há aqueles que procuram ser professores? Seria pelo reconhecimento social?

Nos dias de hoje, os pais de famílias humildes ainda vêem na formação de professores uma garantia de que seus filhos estarão diplomados e habilitados e exercer uma profissão. Trata-se de um sentimento de segurança, de cautela e prudência com relação ao mercado de trabalho. Ninguém pode julgar um pai por pensar dessa forma sobre o futuro dos seus filhos. Por outro lado, é difícil imaginar que um pai de classe média incentive os filhos a fazer um curso de formação de professores. Assumir a profissão é também assumir além do que citamos, a pouca estrutura das escolas, os desrespeitos, a violência simbólica e as prováveis agressões físicas vindas de alunos e pais de alunos. Algo tão comum nos dias atuais que nem sequer ganha espaço nos noticiários locais. Por isso, também é raro encontrar docentes que incentivem seus filhos a seguir os seus passos. Isso porque, para além do desprestígio, entramos na era do desprezo com relação ao trabalho docente. A função social que outrora significou a referência de saber, um apostolado da ciência, do desenvolvimento individual e nacional, padece frente à era do negacionismo, movimento com fins políticos que atinge todas as ciências, inclusive as ciências da educação.

Nessa conjuntura, alguém poderia imaginar as famílias das classes mais abastadas do país incentivando os seus filhos a se tornarem professores? Pressionando os órgãos públicos para que fossem criadas oportunidades para seus filhos se formarem professores das séries iniciais do ensino fundamental? Exigindo dos gestores municipais a criação de uma unidade escolar que os atendesse?

Certamente, o que as famílias das classes mais abastadas almejam para suas crianças na atualidade está longe do “chão da sala de aula”. Mas, e se as respostas para essas perguntas fossem ‘sim’. E se essa história for real em algum tempo e lugar do nosso país? Diante de um presente tão infeliz, é difícil imaginar quer veremos isso em nosso futuro, nós sabemos. No entanto, se examinarmos o passado, talvez possamos encontrar pistas dessa realidade.

A população tende a olhar para o passado com saudosismo e certa mitificação. Os mais velhos afirmam que a escola pública era muito melhor, sem se perguntarem se a educação dessas escolas era mesmo para todos. Há aqueles que afirmam que os professores eram melhores, ignorando o característico deszelo público que verificamos ao estudar a história da educação brasileira. Outros afirmam que os professores eram mais prestigiados, considerando as décadas passadas, tema que certamente deve ser problematizado.

Como cidadão nos cabe perguntar: Será mesmo que em algum momento os professores brasileiros ganharam bem? Essa função social já foi prestigiada no Brasil? Ganhando bem ou não, sendo prestigiado ou não, poderia haver algum fator que atraísse pessoas a procurar a formação de professores a ponto de haver mais candidatos do que vagas nos seus concursos?

Não há uma resposta fácil, como já afirmamos no início. Mas para pensar sobre esse assunto, temos uma pesquisa realizada com bastante rigor que talvez interesse. Assim, convidamos vocês a ler uma história de Quando ‘ser professor’ servia às elites: a Escola Normal Ignácio Azevedo do Amaral (1950-1970), publicada na Revista Educação e Contemporaneidade, cujo acesso pode ser realizado por esse link: https://www.revistas.uneb.br/index.php/faeeba/article/view/10519.

 

Fábio Souza Lima é doutor em educação pela UFRJ e professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Amazonas (UFAM).

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