Construir Resistência
Paranóia zap

A voz paranoica do zap

Elton Luiz Leite de Souza

 

A paranoia é um delírio sobretudo auditivo. O paranoico ouve vozes que alimentam seu delírio, um delírio preponderantemente masculino, de um masculino tóxico surdo ao feminino.
O fascismo é uma forma de paranoia que acomete uma massa de ressentidos que se arrebanham no ódio delirante contra grupos que são estigmatizados e demonizados como “inimigos”.
São raros poetas ou músicos paranoicos, é mais comum a paranoia em generais autoritários, juízes vingativos, capitalistas monopolistas, moralistas hipócritas, religiosos teológicos-políticos, enfim, naqueles que têm ou buscam o poder “acima de tudo”, demonizando a potência democrática partilhada entre todos.
A televisão é uma máquina voyeur-narcísica, porém o whatsapp é um dispositivo que pode arrebanhar paranoicos .
Como se vê nesse obscuro Brasil do “submundo virtual”, o “zap” pode servir a paranoias já instaladas em quem tem a disposição para o ódio delirante, seja por motivos pessoais, religiosos ou políticos.
A tevê se apoia principalmente na imagem visual, porém o “zap” que instrumentaliza delírios paranoicos é sobretudo voz, uma voz que fomenta , difunde e confirma delírios paranoicos já instalados ou produzidos para fins teológicos-políticos.
Como se sabe, a paranoia é um delírio auditivo no qual a realidade é negada por uma voz sem realidade concreta, nascida que é de uma fantasia mórbida persecutória.
Estamos vendo isso nessas manifestações golpistas: embora estejam na rua, os golpistas-delirantes vivem com o ouvido grudado no zap, pois é a “voz do zap” que confirma seus delírios paranoicos negacionistas da realidade: diante dos olhos deles está um muro de quartel, porém a voz delirante berra em seus ouvidos que ali é o muro do “templo das lamentações”, e que eles devem se ajoelhar e clamar pelo Messias-Milico-Miliciano…
A maioria dos fanáticos que usam o “zap” dessa forma doentia quase nunca escrevem ou leem mensagens , pois eles têm pouca ou nenhuma proximidade com a escrita enquanto instrumento simbólico-social para leitura e interpretação do mundo.
Os fascistas-paranoicos preferem o áudio enquanto vocalização de um imaginário paranoico , como o dos “tios do zap”( quase sempre, a paranoia eclode na meia-idade, sendo agravada por ressentimentos mal curados , frustações mal resolvidas e espírito de vingança acumulado ).
Não por acaso, o rádio foi o meio de comunicação muito usado por Hitler e Mussolini. Pois a palavra de ordem paranoica depende da voz autocrática berrada , perdendo força persuasiva quando escrita.
Mas não é qualquer voz que serve a delírios paranoicos que ameaçam a pluralidade social. A voz paranoica é preponderantemente voz masculina, patriarcal, falocrática ; voz que grita numa retórica raivosa que lembra a retórica berrante e monocrática de Hitler.
Essa “voz do zap” não é uma voz que se alterna à escuta para assim trocar perspectivas num diálogo e conversa. Essa “voz do zap” não é a voz autêntica das ruas. E não podemos deixar que ela fale mais alto ou tente calar a nossa voz que, democraticamente, se fez ouvir nas urnas.

Elton Luiz Leite de Souza é Mestre e Doutor em Filosofia pela UERJ, Mestre em Comunicação e Cultura pela UFRJ e professor da UNIRIO.

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