Por Leandro Fortes
Não faz muitos anos, uma figura obscura como Jair Bolsonaro jamais poderia escolher uma cidade como Brasília para, de volta de um exílio fraudulento, desembarcar sob apupos de uma coletividade unida em torno da própria indigência intelectual, orgulhosa da própria ignorância.
Foram as duas últimas décadas que formaram na capital da República e nas bordas do Distrito Federal um contingente de servidores públicos e agregados cevados no antipetismo e na normalização da miséria como provação divina.
Efeito nefasto, por um lado, de uma política petista de abertura de concursos públicos utilitaristas, despolitizados e irresponsavelmente focados na produção de tecnocratas, e, por outro, do fenômeno neopentecostal, que transformou os cinemas locais em igrejas e fez circular pelas ruas e pela política uma massa de imbecis motivados.
Bolsonaro tinha, portanto, a expectativa real de desembarcar em Brasília debaixo de charangas e fogos de artifício, preparado que estava para ser abraçado por uma multidão histérica de fanáticos entoando palavras de ordem fascistas e trajando, como de costume, indumentária verde e amarela. Pretendia repetir como farsa o fenômeno eleitoral de 2018, quando hordas bolsonaristas formadas por idiotas e incautos que, muitos dos quais, iriam engrossar as fileiras de vítimas da Covid-19 e da fome generalizada que se seguiria nos quatro anos seguintes.
O objetivo fundamental era o de produzir imagens e conteúdo digital para se agregar à produção de fake news do bolsonarismo, ainda em pleno funcionamento, mesmo depois da derrota eleitoral de Bolsonaro e dos atos golpistas de 8 de janeiro.
O derrotado precisava desse momento como parte de uma estratégia de mobilização para reagir à possibilidade concreta de prisão e de se tornar inelegível pelos próximo oito anos, pela Justiça Eleitoral.
Noticia-se, aqui e acolá, que o ex-presidente se afogou em perdigotos da própria boca – podre, como se sabe – e em palavrões os mais diversos ao saber que, sob a batuta do ministro da Justiça, Flávio Dino, o governo do Distrito Federal foi instado a fechar com barreiras a Praça dos Três Poderes e as imediações do aeroporto internacional de Brasília, na quinta-feira, 30 de março. Só terá acesso à região quem apresentar bilhete de embarque.
Bolsonaro não ficou furioso apenas pela frustração da festa perdida. Para quem imitava gente morrendo por asfixia, em plena pandemia, e usava ministros de Estado e militares como mulas para contrabandear joias do Oriente Médio, isso é café pequeno.
O que o ex-presidente teme, de verdade, é estar indo direto para uma arapuca da Polícia Federal, o que tanto pode ser o cumprimento de um mandado de prisão ou, no limite, ser constrangido por uma escolta com ares de condução.
Um dia antes de, finalmente, sair da toca onde se meteu, apavorado, antes mesmo de terminar o mandato presidencial, nas cercanias da Disney, Bolsonaro foi avisado que, em 5 de abril, vai ter que depor sobre o caso das joias sauditas roubadas.
Não será surpresa, portanto, se, em algum momento, ele recorrer à prática manjada de se internar com dores abdominais para fugir do compromisso e renovar, pela enésima vez, a figura do mártir esfaqueado que está pronto para dar a vida por Deus, pela pátria e pela família.
O golpe está aí, cai quem quer.
Leandro Fortes é jornalista, escritor e professor